A 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por unanimidade de votos, entendeu que a Contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) não goza da imunidade prevista no artigo 149, § 2°, I, da CF/88, que acoberta apenas contribuições sociais e as de intervenção de domínio econômico (CIDE) que incidem sobre receitas decorrentes de exportação, e não as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, que é o caso da contribuição ao SENAR, voltada a atender a categoria dos trabalhadores rurais.
O julgamento ocorreu em 17/09/2024 e restou consignado no acórdão nº 9202-011.460, de relatoria do Conselheiro Rodrigo Monteiro Loureiro Amorim, que deu provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional contra uma cooperativa agrícola, dando inicialmente destaque à lei específica do SENAR, Lei nº 8.315/91, que eu seu artigo 1º prevê o seguinte:
“Art. 1° É criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), com o objetivo de organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural, em centros instalados e mantidos pela instituição ou sob forma de cooperação, dirigida aos trabalhadores rurais.
Parágrafo único. Os programas de formação profissional rural do SENAR poderão ofertar vagas aos usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores do SENAR e os gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo local”.
Disto, o Conselheiro adotou como razões de decidir o voto proferido no Acórdão nº 9202-006.595, julgado em 20/03/2018, cujo voto foi proferido pela Conselheira Ana Cecília Lustosa Cruz, para demonstrar que ao SENAR não possuir características de CIDE, tampouco de contribuição social, as quais se reproduz abaixo:
Para a caracterização das contribuições ao SENAR como contribuição de intervenção no domínio econômico seria necessário entender elas possuem caráter extrafiscal como nítidos instrumentos de planejamento, corrigindo as distorções e abusos de seguimentos descompassados, e não somente carreando recursos para os cofres públicos.
A mencionada intervenção ocorre com a regulação das atividades econômicas as quais se atrelam, geralmente relativas às disposições constitucionais da Ordem Econômica e Financeira, art. 170, I a IX, e seguintes da Constituição Federal, consoante os princípios abaixo colacionados:
I soberania nacional;
II propriedade privada;
III função social da propriedade;
IV livre concorrência;
V defesa do consumidor;
VI defesa do meio ambiente;
VI defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII busca do pleno emprego;
IX tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
De fato, existem atividades econômicas que precisam sofrer a intervenção do Estado, a fim de que sobre elas se promova um fim fiscalizatório, regulando seu fluxo produtivo para a melhoria do setor beneficiado, não sendo essa a finalidade precípua das contribuições ao SENAR, cujo objetivo é organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural, em centros instalados e mantidos pela instituição ou sob forma de cooperação, dirigida aos trabalhadores rurais, servindo como fomento da atividade, por meio da educação.
Cabe acrescentar que o fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, o que destoa das demais contribuições destinadas ao Sistema S (SESI, SENAI…), as quais incidem sobre as folhas de salários.
Extrai-se, assim, que a contribuição ao SENAR, sendo esta desenvolvida para o atendimento de interesses de um grupo de pessoas (formação profissional e promoção social do trabalhador rural), inclusive financiada pela mesma categoria, possui natureza de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas, em sua essência jurídica, destinada a proporcionar maior desenvolvimento à atuação de categoria específica.
Ao meu ver, as contribuições de intervenção no domínio econômico são mais abrangentes, no aspecto da sua destinação, que as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, pois aquelas fomentam determinado setor com o fim de incentivar e instigar o mercado, de forma pragmática, principalmente em momentos de crise, contribuindo na regulação da ordem econômica e refletindo políticas do governo que afetam toda a sociedade, e estas têm sua aplicação adstrita ao financiamento das respectivas categorias profissionais ou econômicas, em áreas específicas, apenas para o seu fomento.
No que tange à distinção entre as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e as contribuições sociais, entendo que estas contribuições também possuem maior abrangência, ao se destinarem ao financiamento social (bem-estar e justiça social), de um modo geral, e não voltado
ao interesse de determinadas categorias.
Além disso, outra distinção salutar reside no fato de que os recursos o produto das contribuições sociais gerais que ingressam aos cofres públicos decorrentes da sua arrecadação mantém o caráter público e serão aplicados conforme sua vinculação (as verbas arrecadadas são mantidas em poder do Estado para sua aplicação finalística), enquanto os produtos das contribuições que ingressam aos cofres do SENAR perdem o caráter de recurso público, como já decidiu o STF (AG.REG. NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 1.953).
Feitas essas colocações, entendo que; embora reflexamente as contribuições ao SENAR beneficiem a sociedade, no âmbito da educação e assistência aos trabalhadores rurais, bem como causem efeitos na economia, tendo em vista que a educação é pilar relevante no desenvolvimento de um país; em sua essência jurídica tal contribuição se presta, precipuamente, a atender uma categoria econômica específica, qual seja a dos trabalhadores rurais.
[grifos nossos]
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, sob a liderança dos sócios Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, faz questão de destacar a jurisprudência administrativa fiscal, ainda mais quando exarada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, pois ela é responsável por julgar recursos especiais, ou seja, matérias de direito, o que implica numa função de também uniformizar o entendimento do Conselho sobre as matérias de direito a ela submetidas. Esta é uma das formas mais eficazes de se manter atualizado sobre o que o CARF realmente está entendendo sobre determinados assuntos, e assim podermos orientar nossos clientes da melhor maneira possível, propondo estratégias e soluções factíveis e úteis, sempre com comprometimento e respeito à tradição.
Uma análise minuciosa da natureza jurídica da contribuição ao SENAR revela a complexidade do sistema tributário brasileiro e a necessidade de os operadores do agronegócio estarem bem informados e preparados para atender às exigências legais. É fundamental que os contribuintes, sejam cooperativas ou não, compreendam as implicações dessa decisão e busquem orientação especializada para garantir que suas operações estejam em conformidade com a legislação vigente, minimizando riscos e evitando possíveis autuações.
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