Desafios das Relações de Consumo Atuais
É difícil pensar em alguém que não seja consumidor na sociedade contemporânea. Quase todos nós, mesmo que em medidas diferentes, usufruímos de produtos e serviços diariamente. Em verdade, não é preciso ir longe para visualizar como as relações de consumo permeiam nosso dia a dia, basta pensar nos aplicativos que utilizamos corriqueiramente, como aqueles voltados para entrega de comida, os jogos online, em que se pode adquirir skins, ferramentas, enfim, vantagens para o jogador, e, principalmente, os aplicativos de compras (roupas, acessórios, eletrônicos, livros, música), isso sem falar nos streamings.
Tal percepção é importante, pois revela como as relações de consumo têm de certo modo assumido uma faceta diferente nos últimos tempos. Ao prestigiar o tempo dos consumidores e propiciar que sua experiência com o produto ou serviço seja a melhor possível, o fornecedor tem se aliado à tecnologia – principalmente a inteligência artificial – para tornar o contato mais informal, a venda mais simplificada, célere e impessoal. Ao mesmo tempo, porém, o que se percebe é que toda essa tecnologia, principalmente, quando se fala em IA, acaba não agradando tanto os consumidores brasileiros, quanto a problemas mais complexos; foi o que a pesquisa idealizada pela CX BRAIN e realizada pela AntennasBI em 2024 revelou, conforme relatado pelo “Consumidor Moderno”:
“A pesquisa entrevistou 1,003 brasileiros de todas as regiões, gêneros, classes sociais e faixas etárias, usuários de serviços de atendimento de diferentes setores e empresas – desde instituições financeiras a aplicativos de transporte e plano de saúde – e analisou mais de 2 mil vídeos gravados pelos entrevistados por meio do celular. A análise quantitativa e qualitativa revela um retrato das perspectivas desses consumidores sobre o atendimento ao cliente no Brasil.
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Entre os entrevistados que percebem a IA como positiva, ou seja, que irá ajudar muito no atendimento ao consumidor, estão principalmente pessoas de até 34 anos, da classe A e moradores das capitais do país.
Já os 51% do outro lado do espectro, que consideram que a IA ajudará pouco ou nada em resolver suas necessidades, apresentam um outro perfil – e muito mais similar à realidade da parcela majoritária da população brasileira. 58% dos respondentes que percebem o atendimento por IA como negativo têm acima de 34 anos, 55% são das classes B e C, e 55% moram em cidades do interior.
Entre esses diferentes perfis de consumidores, há também diferenças de perspectivas sobre a eficiência da tecnologia no atendimento ao cliente. Os respondentes que têm uma visão mais positiva acreditam que a IA é mais eficiente e ágil no atendimento – como aponta o gráfico abaixo:

Além disso, os entrevistados com maior confiança na Inteligência Artificial também percebem que o futuro terá maior presença da tecnologia e, com ela, mais facilidade para a resolução de problemas. Para 64% desse grupo, não haverá mais atendimento humano no SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente), e 60% acreditam que as solicitações serão mais fáceis de resolver via IA.
Já para o grupo dos pessimistas, 48% acreditam que o atendimento humano irá se extinguir no futuro, e 15% percebem que as solicitações serão mais facilmente solucionadas.
“Para esses consumidores, a IA não é capaz de solucionar problemas complexos e, nesses casos, o atendimento humano é mais confiável”, destaca Gustavo.
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Não só isso, mas o estudo também mapeou que o atendimento realizado por Inteligência Artificial gera mais emoções negativas do que positivas.
56% dos entrevistados citaram sentir emoções negativas, como:
Tédio (16%);
Raiva (13%);
Indiferença (13%);
Desconfiança (10%);
Tristeza (4%).
“Se juntarmos as emoções negativas com as emoções neutras, como calma e nostalgia, representam 66% das impressões dos consumidores”, destaca Jacques. “Quando consideramos o brasileiro, o calor humano e nossa descontração e informalidade, a indiferença é a morte”.
“Ao analisarmos o tecido social do Brasil, a indiferença destaca como uma emoção negativa”, destaca Gustavo. “Numa situação em que vou fazer uma troca, dar o meu dinheiro suado, o mínimo que se espera não é indiferença”.
Para as empresas, fica a dúvida: isso quer dizer que não devem inserir Inteligência Artificial no atendimento ao cliente? Não é bem assim. “Hoje, as boas soluções de IA generativa e de voz têm capacidade de passar o calor humano”, explica Jacques Meir. “A maior parte das empresas estão longe de fazer isso”.
Com base em tal panorama, pensando em uma prestação de serviços específica, tema do post de hoje, o serviço de transporte aéreo, o escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS aborda a proteção dos direitos dos consumidores na situação de atrasos e cancelamento de serviços de transporte aéreo que, infelizmente, é enfrentada por vários consumidores brasileiros, que muitas vezes não conhecem seus direitos e ficam desamparados legalmente, reféns da incapacidade das empresas áreas em administrar com agilidade e eficácia as situações de atraso e cancelamento de voos, mesmo com acesso à tecnologia de ponta.
Segundo publicação da Valor Investe de novembro de 2024, apoiada no levantamento da AirHelp (empresa de tecnologia de viagens que auxilia passageiros em interrupções de voos):
“O volume de passageiros afetados por cancelamentos de voos no Brasil cresceu até outubro e já superou todo 2023. Os cancelamentos impactaram os planos de viagem de 3,8 milhões de passageiros, superando em 22% o grupo afetado pelo problema no mesmo período de 2023.
Em todo o ano passado os atingidos pela somatória desse tipo de ocorrência foram 3,1 milhões. (…)
Proporcionalmente mais passageiros foram atingidos por atrasos superiores a 2 horas e cancelamentos. Até outubro de 2024 foram 4,488 milhões os afetados por esse tipo de ocorrência (1 em cada 18). Em todo o ano passado os atingidos somaram 3,969 milhões (1 em cada 25).
Nos 10 primeiros meses deste ano as companhias aéreas brasileiras transportaram 80 milhões de passageiros. O volume contabilizado foi inferior à marca registrada no mesmo período de 2023, quando 98 milhões de passageiros foram transportados nos aeroportos brasileiros.
(…)
Pela estimativa da empresa, 1 em cada 17 passageiros é elegível a pleitear compensação financeira às companhias aéreas por problemas em voos nos 10 primeiros meses do ano.”
O levantamento promovido pelo CNJ por meio do BI (Business Intelligence) demonstrou que o Estado do Paraná contabilizou 3.194 novas ações judiciais sobre atrasos de voo entre janeiro e novembro de 2024, o que representa uma média de 10 processos ajuizados por dia no Estado Paranaense. Já em âmbito nacional, o Brasil registrou 99.426 novas ações judiciais sobre atrasos de voo, para o mesmo período, o que dá cerca de 297 processos por dia.
Como se pode observar, pouquíssimos passageiros realmente vão atrás de seus direitos. Comparando as duas pesquisas mencionadas acima, pode-se concluir que, em tese, se os consumidores fossem mais conscientes de seus direitos, provavelmente, a quantidade de ações judiciais seria maior do que o que foi constatado pelo CNJ. A ideia aqui, portanto, é fornecer conhecimento para que os consumidores ponderem se querem ou não, se podem ou não, recorrer ao Judiciário para pleitear suas reivindicações.
Um exemplo sempre cai bem
Cumpre começar citando um caso ilustrativo que foi julgado recentemente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, anunciado em artigo do CONJUR, em que a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) confirmou a decisão da Comarca de Turmalina, que condenou uma empresa aérea a indenizar uma passageira em R$ 5 mil por danos morais. A decisão foi motivada após a passageira e sua filha menor de idade terem sido impedidas de embarcar em voo de conexão em uma viagem internacional.
Quanto ao Contexto do Caso
De acordo com os autos do processo, o voo estava programado para sair às 4h20, horário de Belo Horizonte, com destino a Santiago, no Chile, com escala em São Paulo. No entanto, mãe e filha foram barradas no embarque com a justificativa de que não possuíam seguro de saúde com cobertura para Covid-19, no valor exigido de R$ 30 mil, o que era uma exigência vigente à época.
A passageira argumentou que apresentava um seguro superior ao valor solicitado e, após a identificação da falha, foram realocadas em outro voo no mesmo dia, com previsão de embarque às 14h40. No entanto, os bilhetes foram novamente cancelados, e embarcou apenas às 18h50. Em razão dos atrasos, mãe e filha perderam o voo para Santiago e precisaram pernoitar na capital paulista, somente buscando o destino final na manhã seguinte.
Sentença e Acompanhamento Jurídico
Em primeira instância, a empresa aérea foi condenada ao pagamento de indenização de R$ 5 mil por danos morais. A passageira recorreu pedindo o aumento do valor, mas o desembargador Fernando Lins, relator do caso, manteve a sentença por considerar o montante estipulado como razoável.
Direitos do Consumidor
Necessário observar que, além de danos morais, o consumidor possui outros direitos quando ocorrer atraso ou cancelamento do voo, seja por motivo de segurança operacional, troca de aeronave, overbooking, etc. Deixaremos o link da cartilha da Cartilha da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) aos interessados, mas em resumo, é importante que o consumidor sempre constitua provas para pleitear os seus direitos com maiores chances de êxito.
Como fazer isso? Se a empresa área oferecer voucher, é importante registrar isso, bem como juntar provas de eventuais prejuízos, tais como: perda de diária de hotel, reserva de carro, entrevista etc.
Atenção para os prazos e assistência material que a ANAC considera:
“A assistência é oferecida gradualmente, pela empresa aérea, de acordo com o tempo de espera, contado a partir do momento em que houve o atraso, cancelamento ou preterição de embarque, conforme demonstrado a seguir:
A partir de 1 hora: comunicação (internet, telefonemas, etc).
A partir de 2 horas: alimentação (voucher, lanche, bebidas, etc).
A partir de 4 horas: acomodação ou hospedagem (se for o caso) e transporte do aeroporto ao local de acomodação.
Se você estiver no local de seu domicílio, a empresa poderá oferecer apenas o transporte para sua residência e desta para o aeroporto.
Se o atraso for superior a 4 horas (ou a empresa já tenha a estimativa de que o voo atrasará esse tempo), ou houver cancelamento de voo ou preterição de embarque, a empresa aérea deverá oferecer ao passageiro, além da assistência material, opções de reacomodação ou reembolso.”
Note-se que, após 4 horas de atraso injustificado, cabe pleitear dano moral. Além disso, a assistência material, reacomodação e reembolso são devidos inclusive para os casos de atraso ou cancelamento decorrentes de condições meteorológicas adversas.
Ainda, sobre o reembolso, caso o voo atrase por mais de 4 horas, seja cancelado ou, ainda, o passageiro tenha seu embarque negado (preterição de embarque), a empresa deverá reembolsar o passageiro de acordo com a forma de pagamento utilizada na compra da passagem. Isto quer dizer que, a devolução dos valores já quitados e recebidos pela empresa aérea, como quando ocorre compra à vista em dinheiro, cheque compensado ou débito em conta corrente, deverá ser imediata, em dinheiro ou por meio de crédito em conta bancária. Já quando a passagem aérea foi financiada no cartão de crédito e tem parcelas a vencer, o reembolso obedecerá às regras da administradora do cartão.
Fato é, que as providências para o reembolso devem ser imediatas. Se for do interesse do passageiro, a empresa poderá oferecer, ao invés do reembolso, créditos em programas de milhagem. Mas vale lembrar, isso é uma faculdade, não uma obrigatoriedade. O consumidor não é obrigado a aceitar os créditos.
Quanto a remarcações, para a situação de o consumidor estar no aeroporto de partida, havendo atraso superior a 4 horas ou cancelamento/preterição de embarque, o consumidor precisa saber que elas devem ocorrer sem custo, e deve ser feita de acordo com a sua conveniência. Nesse caso, a empresa poderá suspender a assistência material.
Agora, se o consumidor estiver no aeroporto de escala ou conexão, poderá pedir a remarcação como explicado anteriormente, ou pedir o reembolso integral e retornar ao aeroporto do origem, sem nenhum custo, com direito à assistência material. Outra opção também seria permanecer na localidade onde ocorreu a interrupção e receber o reembolso do trecho não utilizado (nesse caso também a assistência material poderá ser suspensa) ou concluir a viagem por outra forma de transporte (ônibus, taxi, van etc), devendo a empresa dar assistência material. Lembrando que, no caso de cancelamento, também seria possível embarcar no próximo voo da mesma empresa ou de outra empesa aérea, para o mesmo destino, sem custo, se existir disponibilidade de lugares, com direito à assistência material.
Por fim, é bem importante que o consumidor fique atento ao prazo para entrar com a ação, pois só poderá pleitear em juízo danos relativos aos últimos cinco anos. Para voos internacionais esse prazo é de dois anos. O ideal é não demorar muito para ajuizar ação, lembrando que para danos com valor estimado abaixo de 40 salários mínimos, é possível ajuizá-la no Juizado Especial Cível, que possui tramitação mais simplificada e célere, sem custas processuais e cobrança de honorários sucumbenciais em primeiro grau, sendo necessária a representação por advogado somente se o valor da causa/danos, for maior do que 20 salários mínimos.
Considerações Finais
Para o escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, liderado pelos sócios Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, lutar pela garantia dos direitos dos consumidores é mais do que um serviço, é uma missão. Só quem já passou por situações como as narradas neste post, de atraso e cancelamento de voos, sabe o quão exaustivo e humilhante é essa situação, principalmente, pelo fator de total falta de controle do consumidor sobre a situação. A mescla de vulnerabilidade técnica, informacional, aliada, normalmente, ao despreparo das empresas aéreas para gerir a situação crítica, a multidão de pessoas (principalmente em altas temporadas ou em aeroportos movimentados), a imprevisibilidade para resolução da situação e o medo de perder oportunidades quando a viagem é marcada para isso, revela como a situação é delicada e exige, de um lado, uma atitude preventiva, de maior comprometimento e entrega de resultados eficazes pelas fornecedoras e, de outro lado, exige uma postura séria e comprometida do profissional jurídico, para que busque de forma estratégica a melhor solução para o seu cliente. É por isso que o escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS investe em uma equipe multidisciplinar e na constante atualização jurisprudencial, compartilhando conhecimento com seus leitores, para que a tradição e experiência que detém caminhe sempre com a inovação e com foco em soluções.
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https://consumidormoderno.com.br/ia-atendimento-confianca/
https://www2.anac.gov.br/publicacoes/arquivos/Dicas_ANAC_Atrasos_e_Cancelamentos_web.pdf