Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) invalidou invasão de domicílio pela Polícia Militar de Minas Gerais, com base em denúncia anônima, por não ter verificado consentimento válido para o ingresso dos policiais na casa de suposto traficante de drogas, tampouco fundadas razões para tal investida. Sob relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, foi destacado que a Corte Superior tem repetidamente decidido que “[a] mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida” (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, sob a liderança dos advogados Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, preza pelo respeito ao devido processo legal e à proteção das liberdades individuais e direitos fundamentais dos cidadãos, por isso atua de maneira ética e responsável auxiliando seus clientes a afastar arbitrariedades injustificáveis e ilegais pelas autoridades públicas, buscando a proteção dos seus direitos constitucionalmente garantidos.
Uma de nossas missões é apoiar a difusão de conhecimento jurídico para todos de uma forma democrática, mais simplificada, para que os leitores possam entender os seus direitos e reconhecer eventuais violações, bem como saber como agir diante delas. Com base nisso, a ideia do texto de hoje é resumir a decisão anunciada no início do texto, que trouxe um apanhado do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão da invasão domiciliar, com vistas a deixar bem claro os direitos que os cidadãos possuem em situações como esta.
Primeiramente, cabe uma síntese dos fatos, conforme narrado na decisão do Habeas Corpus nº 904243 – MG, ora analisada. Nela foi relatado que o paciente, ou seja, a pessoa que teve a casa invadida, alegou ser vítima de coação ilegal, ante a condenação pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais às penas de 7 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, e de 1 ano, 10 meses e 20 dias de detenção, em regime inicialmente semiaberto, mais multa, pela prática dos crimes de tráfico de drogas, posse ilegal de munições de uso permitido e falsa identidade.
A defesa alegou que o processo instaurado deveria ser considerado nulo, posto ter partido de elementos de informação ilícitos, obtidos por meio de invasão de domicílio.
No julgamento do caso, o STJ, sob relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, entendeu que foi ilícito o ingresso no domicílio do paciente, pois de acordo com o que foi narrado no processo, a diligência no interior da moradia foi justificada com base na alegação dos policiais de que foram até a residência do acusado para averiguar informes de que estaria ocorrendo a prática de tráfico de drogas no local.
Continua registrando o relator que:
“Ao chegarem ao endereço, realizaram um cerco e a companheira do acusado, acompanhada de uma criança de 3 anos de idade, haveria inicialmente falado que o paciente não estava em casa. Porém, em seguida, teria supostamente autorizado a entrada dos agentes. Dentro da residência, foi localizada a droga e a munição apreendidas (1,76g de crack, 2,79g de maconha, 0,35g de sementes de maconha e 5 cartuchos calibre .38).”
É neste ponto que o Min. Rogerio Schietti Cruz reitera o entendimento da Corte Superior de que não há justa causa para a invasão se esta for calcada em mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos do crime. Lembrou ainda o relator, que o consentimento do morador para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados a crime deve ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
Outro detalhe importante ressaltado pelo Ministro, é de que a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para ingresso na residência cabe, em caso de dúvida, ao Estado, devendo ser produzida mediante declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar e, sempre que possível, indicando-se testemunhas do ato.
A operação também deve ser registrada em áudio-vídeo e tal prova deve ser preservada enquanto durar o processo, para afastar qualquer dúvida sobre a validade do consentimento.
Contudo, em sentido oposto ao que a jurisprudência do STJ tem se posicionado, no caso analisado, não havia nenhuma comprovação do consentimento da companheira do paciente para o ingresso em domicílio, nas palavras da relatoria:
“(…)
Com efeito, soa inverossímil a versão policial, ao narrar que a companheira do acusado teria voluntariamente permitido a entrada dos agentes no imóvel para realizar a busca. Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade da versão policial. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos – quantidade de policiais, armados etc. –, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade para consentir no ingresso.
Se, de um lado, se deve, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que o senso comum e as regras de experiência merecem ser consideradas quando tudo indica não ser crível a versão oficial apresentada, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar uma narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal.
Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas – avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos – ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio libertas). Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de crime permanente, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.(…)”
Ainda, a decisão sabiamente salientou que o direito à inviolabilidade do domicílio não visa proteger apenas o alvo de uma atuação policial, mas todo o grupo de pessoa que reside ou se encontra no local da diligência.
Sem deixar de reconhecer os desafios que as autoridades estatais encontram diante da sofisticação do crime organizado e da criminalidade violenta, o julgador bem observou que, contudo, a coletividade, principalmente a que ocupa as camadas sociais mais precárias economicamente, também tem o direito de se sentir segura e ver seus direitos fundamentais garantidos, especialmente o de não ter sua moradia invadida a qualquer hora do dia ou da noite sob a justificativa, decorrente de apreciações pessoais dos agentes, de que supostamente o local é ponto de tráfico de drogas ou algo do tipo.
Em suma, o Ministro Rogerio Schietti Cruz reconheceu a função das buscas e apreensões domiciliares, mas insistiu que devem ocorrer dentro dos limites legais e constitucionais e, como no caso apreciado, a descoberta posterior de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, a prova obtida foi ilícita, sendo assim igualmente considerados todos os atos decorrentes, invocando-se a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal), que rechaça provas supostamente lícitas e admissíveis, porém, obtidas de outra contaminada por ilicitude original. Ao final, o réu foi absolvido da condenação.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça de invalidar a invasão de domicílio sem consentimento baseada em denúncia anônima reforça a inviolabilidade dos direitos fundamentais e estabelece critérios claros para ações policiais. A proteção da privacidade dos cidadãos e o respeito ao devido processo legal são pilares essenciais para uma sociedade justa e democrática.
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, encabeçado pelos sócios Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, reconhecido pela sua atuação especializada em casos de alta complexidade, acredita que quantos mais os cidadãos e autoridades estatais estiverem conscientes dos seus direitos e deveres, a sociedade caminhará para um futuro melhor para todos.
Com uma abordagem dedicada e estratégica, o escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS oferece consultoria e assessoria jurídica de excelência, sempre focado na proteção dos direitos e interesses de seus clientes, inclusive na área do direito empresarial penal e compliance.
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