As redes sociais se tornaram ferramentas poderosas para a troca de informações e interações, possibilitando o desenvolvimento de networking, vendas, trocas, autoconhecimento e aprendizado, estreitando laços antes esquecidos ou esfriados, entre tantas outras coisas boas, mas, por outro lado, também têm ocupado um espaço nada agradável, como palco de ofensas e ataques contra a honra, nome, imagem e privacidade das pessoas. Nem mesmo as pessoas jurídicas escapam desta utilização negativa das redes sociais, tanto que é possível se falar até mesmo em danos morais para a pessoa jurídica, quando a sua honra objetiva é maculada.
No artigo de hoje, abordaremos uma decisão recente, proferida em 4 de fevereiro de 2025, pelo juiz Valdir da Silva Queiroz Junior, da 9ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (autos nº 1116450-97.2023.8.26.0100), que condenou uma influenciadora digital a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil reais a um advogado que ela difamou nas redes sociais, mesmo sem ter citado o nome dele em suas publicações.
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS entende ser importante se debruçar sobre tal decisão, para demonstrar os riscos legais no ambiente digital, bem como as implicações de ações judiciais como essa, pois não é exagero pressupor que muitas pessoas devem pensar que pelo mero fato de não estar vinculando a ofensa a um nome ou imagem específica, ou seja, reconhecendo o ofendido, estaria afastando a responsabilidade civil (dever de indenização), o que não é plenamente verdade. E esta decisão, justamente, explica o porquê.
Detalhes do caso
O caso envolve uma influenciadora digital que produz conteúdos sobre moda e que, nas suas publicações, se refere ao advogado de maneira extremamente hostil, chamando-o de “demônio”, “baixo”, “sujo” e “de quinta categoria”, além disso, teceu comentários jocosos sobre a sexualidade do advogado. Ele, então, ajuizou a ação pleiteando a reparação de danos pela ofensa, mesmo que seu nome não tenha sido relatado diretamente.
Em resumo, o advogado, que sustenta ser um renomado advogado atuante na área de direito da moda, alegou ser vítima de perseguição digital, vez que a influenciadora já responde outro processo em que ele defende outra influenciadora digital, que foi ofendida virtualmente pela primeira e se surpreendeu com o ataque injustificado dela contra sua pessoa.
Por outro lado, a defesa da influenciadora argumentou que as publicações não mencionaram de forma explícita o nome do advogado, e que, como ele se considerava “renomado” e “notoriamente conhecedor da moda”, estaria sujeito a críticas. Também disse que a influenciadora é referência em moda e seu conteúdo é de cunho informativo.
Contudo, o juiz rejeitou essa argumentação. Em verdade, destacou a facilidade de acesso à informação e reconhecimento do ofendido pelos meios digitais:
“Dessa forma, amigos e conhecidos mais próximos com noção do ocorrido poderiam facilmente associar os comentários ao autor. E tal reconhecimento tornou-se consumado, conforme as mensagens enviadas ao autor perguntando do que se tratava (fls. 236/239) – provas válidas, a despeito da impugnação da ré, visto que obtidas de forma plenamente lícita. Segundo porque, para além dos conhecidos, qualquer um dos mais sessenta mil seguidores da ré, em simples busca na internet, poderia descobrir de quem ela estava falando.”.
Antes desse trecho, a decisão menciona, inclusive, que na oitiva de testemunhas do processo criminal também instaurado, uma testemunha admitiu que “apesar dela não ter citado o nome dele, eu sei que estava se referindo a ele porque eu tenho conhecimento do assunto”. Isso também contribuiu para o Juízo da 9ª VC concluir que a fácil vinculação dos comentários à figura do autor.
O juiz complementa ainda com o seguinte:
Incontroverso que existiam animosidades entre as partes, decorrentes de uma prévia disputa judicial. Contudo, as ofensas proferidas extrapolam o aceitável ou permitido e passam a configurar, nesse caso, dano à imagem do autor. Nas ocasiões analisadas por este Juízo, a ré afirma que o autor seria um advogado “baixo”, “sujo”, “de quinta”(fl. 426, 448). Não bastasse isso, a ré ainda teceu comentários jocosos quanto à sexualidade do autor (fl. 426). Desse modo, no contexto probatório, possível afirmar que houve prejuízo à imagem pessoal e profissional do autor, com insinuação de infrações éticas e até mesmos criminosas, as quais ferem sua reputação, com alto potencial alto de macular a sua honra perante a sociedade.
Portanto, resta caracterizado o ato ilícito, consoante ao descrito no art. 186 do Código Civil, de onde emana o dever de indenizar. Nesse sentido, a indenização mede-se pela extensão do dano, consoante ao art. 944 do Código Civil, devendo-se considerar,
ainda, o seu caráter pedagógico para desencorajar a manutenção das práticas impróprias perpetradas pela ré em rede social, revelando-se adequado o valor pretendido pelo autor, e que não fomenta o enriquecimento sem causa. Destarte, suficiente para reparação do dano moral o valor de R$30.000,00 (trinta mil reais).
Aprendizados
A decisão reforça a importância da responsabilidade no uso das redes sociais, especialmente quando o conteúdo compartilhado pode prejudicar a imagem e a honra de terceiros. Mesmo que o nome da vítima não seja explicitamente mencionado, a publicação pode gerar danos morais se houver a possibilidade de associar o comentário à pessoa ofendida. O processo, contudo, ainda não se encerrou, portanto, ainda há possibilidade de interposições recursais.
Para conhecimento, os artigos do Código Civil citados na decisão são os seguintes:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”
Abaixo, destacamos, ainda, outros dispositivos legais, inclusive de outras normas, que versam sobre proteção aos direitos da personalidade e limites a liberdade de expressão, ambos direitos fundamentais, de acordo com nossa Constituição, porém, não absolutos:
- Código Civil:
“Art. 17.O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.”
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
“Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.”
- A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, prevê o seguinte:
“Artigo 12: Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.”
- A Constituição Federal Brasileira, no seu artigo 5º, declara como fundamentais os seguintes direitos:
“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
- 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
(…)”
[grifos nossos]
- A Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, assim dispõe sobre a liberdade de expressão e a proteção dos direitos personalíssimos:
“Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;”
“Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) prevê o seguinte:
“Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade
- Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
- Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
- Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.”
“Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
- Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
- O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
- o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas;”
[grifos nossos]
Os tribunais brasileiros há tempos tem se posicionado no sentido de que a liberdade de expressão, de informação, de imprensa é um direito fundamental, sendo vedado o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, porém, tal liberdade encontra limite nos direitos de personalidade das pessoas, ou seja, a atividade da imprensa precisa se pautar em, pelo menos, três pilares: “(i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Se esses deveres não forem observados e disso resultar ofensa a direito da personalidade da pessoa objeto da comunicação, surgirá para o ofendido o direito de ser reparado.” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.922.721/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 16/2/2022).
[grifos nossos]
Ainda o STJ:
“A liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)” (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 12/03/2013).
[grifos nossos]
Por sua vez o STF:
“RECLAMAÇÃO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 130/DF. O Supremo, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 130, relator ministro Carlos Ayres Britto, acórdão publicado no Diário da Justiça eletrônico de 6 de novembro de 2009, assentou ser a plena liberdade de imprensa, patrimônio imaterial, o mais eloquente atestado de evolução político-cultural do povo. A intervenção do Judiciário volta-se ao controle do abuso, podendo desaguar em indenização por dano material, moral e à imagem”. (Rcl 45682 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 22/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 27-05-2021 PUBLIC 28-05-2021)
[grifos nossos]
Resta claro, então, que a utilização das redes sociais possui limites, ao contrário do que muitas pessoas pensam. Os ofendidos podem buscar resolver o seu problema extrajudicialmente, solicitando que as plataformas retirem o conteúdo ofensivo ou ajuizar ação para solicitar a desvinculação do conteúdo e direito de indenização. Cada plataforma tem seus termos de uso e políticas próprias, portanto, é sempre bom procurá-los para saber como proceder em situações desagradáveis como essas, bem como procurar um advogado ou escritório de advocacia de confiança para traçar a melhor estratégia e solucionar o caso de uma forma realmente útil, seja por meio de acordo ou perante o Poder Judiciário mesmo.
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, contando sempre a com a atuação direta de seus sócios, Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, reitera a importância de se estar atento aos limites da liberdade de expressão, especialmente em plataformas digitais, e orienta tanto empresas quanto indivíduos a buscarem acompanhamento jurídico especializado para prevenir possíveis danos à imagem, honra e reputação. A proteção de direitos relacionados à honra e à imagem é um pilar fundamental no direito civil, e a jurisprudência recente, como a decisão analisada no post de hoje, demonstra o compromisso do Judiciário em garantir a reposição de danos causados por ofensas virtuais.
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https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Decisao-SP-Influenciadora-Ofesas-Advogado.pdf