Empresa de vestuário TNG defende que custos seriam essenciais ao negócio, requisito para o creditamento
ARTIGO I LETÍCIA PAIVA – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, era editora assistente na revista Claudia, escrevendo sobre direitos humanos e gênero. Email: leticia.paiva@jota.info. MARIANA BRANCO – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Jornalista formada pela Universidade de Brasília (UnB). Foi repórter do Correio Braziliense e da Agência Brasil, vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na área de economia.
Uma tentativa de obter créditos tributários por gastos com programas de proteção de dados e de conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi barrada pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). A rede de vestuário TNG havia obtido decisão favorável ao creditamento para o PIS e a Cofins, sem especificar os gastos. A decisão de primeira instância era a única conhecida que permitia o aproveitamento dos créditos sobre despesas para adequação à LGPD.
A justificativa da empresa era a de que a LGPD estabeleceu obrigações para a custódia de dados de dados de terceiros, o que configuraria novo requisito essencial para exercer atividades empresariais. Por isso, os gastos deveriam ser considerados como insumo às suas atividades, o que geraria créditos.
O fundamento para essa relação foi baseado em decisão de 2018 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabeleceu que a caracterização de insumo, capaz de dar direito ao creditamento, é baseado em quanto certo bem ou serviço é imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte (REsp nº 1.221.170/PR). Mas seria preciso provar que ele é essencial.
O argumento não foi aceito na decisão no TRF3, revelada pelo jornal Valor Econômico. “A implementação e manutenção de programas de proteção de dados, diante do ramo de atividade da impetrante (indústria e comércio de artigos de vestuário e acessórios), não constituem insumo para fins de creditamento de PIS/ Cofins, mas custo operacional da empresa, ou seja, ônus da atividade que realiza”, afirmou o relator, desembargador Johonsom Di Salvo.
Ele também ressaltou que a LGPD não impõe a qualquer empresa que sejam assumidas despesas. O que a lei faz, sustenta, é estabelecer normas gerais sobre o tratamento de dados pessoais. Por isso, não seria nem mesmo possível identificar quais despesas são decorrentes da lei.
Além disso, o creditamento nesse caso iria contra a jurisprudência do TRF3. Em julgado de 2020, por exemplo, foi afastada a concessão de créditos para uma série de despesas administrativas, como cessão de software; despesas com informática, inclusive processamento e transmissão de dados; telefonia; material de segurança; e serviços de profissionais jurídicos.
A TNG se opôs à decisão com embargos de declaração. Os embargos de declaração são admitidos no caso de vícios em julgamentos, e não para reexame de uma causa ou de provas.
O relator Di Salvo negou os embargos, pois entendeu que eles demonstrariam apenas inconformismo com os fundamentos da decisão, e não quaisquer vícios. Assim, impôs multa de 2% ao valor de causa.
O processo no TRF3 tramita com o número 5003440-04.2021.4.03.6000
Conceito de insumo e LGPD
O argumento das empresas para pleitear o creditamento de PIS e Cofins na Justiça é que as medidas de conformidade implementadas para atender à LGPD teriam características de insumo. O conceito de insumo foi delimitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.221.170/PR, em 2018, sob o rito dos recursos repetitivos. Na ocasião, a Corte considerou insumo todo bem ou serviço imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica.
O tema, agora, será apreciado também no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar neste ano o Recurso Especial (RE) 841.979, com repercussão geral reconhecida no Tema 756. Os ministros vão decidir se os contribuintes podem aproveitar créditos sobre todos os bens e serviços necessários ao exercício de suas atividades. De acordo com o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2023, a União estima perda de R$ 472,7 bilhões em cinco anos caso perca o processo no STF.
LGPD e créditos de PIS e Cofins no STJ
Segundo Victor Corradi, coordenador do contencioso tributário do WFaria Advogados, que representa a TNG, a intenção, agora, é levar a discussão ao Superior Tribunal de Justiça. “A gente vai acessar o STJ, embora a gente saiba que há uma pequena dificuldade, pois o acórdão anterior [no REsp 1.221.170/PR] mencionou que questões de insumos específicos seriam apreciadas pela primeira e segunda instâncias do Judiciário”, observou.
Ainda assim, o advogado disse que há “grande expectativa” de que o Tribunal Superior reverta a decisão do TRF3. “A gente tem uma grande expectativa de reversão, pois os gastos se enquadram perfeitamente nos critérios definidos pelo STJ. A Corte já havia decidido que gastos decorrentes de lei entram [no conceito de insumo] pelo critério da relevância”, afirmou.
Segundo Corradi, a atividade da TNG está relacionada à proteção de dados. “A operação está toda relacionada à proteção de dados, desde o balcão, quando o cliente recebe a pergunta característica, se deseja CPF na nota. Para a gente, não há dúvidas de que é um gasto específico da operação daquela empresa, decorre de lei e é passível de arguição por meio de mandado de segurança”, disse.
Sanções da LGPD
Para Thaís Shingai, sócia da área tributária do Mannrich e Vasconcelos, a decisão do TRF3 não altera as chances de êxito dos contribuintes que desejarem discutir créditos sobre gastos com a LGPD. “De fato, a TNG discutiu mais genericamente o tema. Ela não disse quais gastos foram incorridos, nem trouxe comprovação desses gastos. A gente acaba tendo esse sentimento de que, como a empresa optou por discutir genericamente, talvez com um detalhamento o tribunal tivesse conseguido visualizar melhor essa relação entre a despesa e a atividade econômica”, diz Shingai.
A tributarista Letícia Sugahara, também do Mannrich e Vasconcelos, observa que, embora a Lei 13.709 não imponha gastos ao contribuinte de forma específica, há previsão de sanção para as empresas que não se adequarem aos dispositivos legais. “A lei traz sanções bastante significativas para as empresas que não cumprirem, podendo chegar a R$50 milhões por infração. Assim, é esperado que as empresas invistam uma quantidade considerável de recursos para que [a LGPD] seja cumprida da melhor forma possível”, comenta Sugahara.
A esfera administrativa
Para Luís Alexandre Barbosa, do LBMF Advogados, uma opção para os contribuintes é aproveitar os créditos sobre gastos com a LGPD pela via administrativa, apresentando documentação que fundamente a essencialidade e relevância dos gastos para a empresa. “A nossa decisão [na orientação aos clientes] foi compensar administrativamente, tudo com laudo técnico e, se vier autuação, a gente se defende. O Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] vem evoluindo, principalmente depois do desempate pró-contribuinte”, afirma.
Barbosa afirma que, embora não tenha tratado especificamente de gastos com a LGPD, a Receita Federal já publicou soluções de consulta que sinalizam para a autorização de aproveitamento de créditos em caso de obrigação legal da realização de despesas. “Tivemos a SC Cosit 45/2020, favorável ao aproveitamento de crédito sobre o vale-transporte, pela obrigatoriedade instituída pela CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]”, exemplifica.