Blisterização de Comprimidos é Considerada Industrialização pelo Carf

Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) determinou que a blisterização de comprimidos (alocação dos comprimidos em cartelas de alumínio com seu acondicionamento em caixas) configura parte do processo de industrialização, com significativas repercussões para o setor farmacêutico. Essa decisão, proferida em um contexto de disputa sobre a metodologia adequada para cálculo dos preços de transferência, destaca a complexidade das regulamentações fiscais e a necessidade de uma interpretação precisa da legislação tributária.

A inserção de comprimidos em cartelas de alumínio, conhecida como blisterização, juntamente com seu acondicionamento em caixas, foi reconhecida como parte do processo de industrialização pela 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CSRF), no acordão nº 9101-007.010 (processo nº 16643.000321/2010-69). A decisão, tomada por voto de qualidade, envolveu uma disputa sobre o método adequado para o cálculo dos preços de transferência em produtos cujo valor agregado aumenta após a embalagem. A empresa envolvida no caso, Sandoz do Brasil Indústria Farmacêutica Ltda, utilizou o método PRL 20, enquanto o Fisco defendia a aplicação do método PRL 60.

A empresa argumentou que a blisterização de comprimidos e o acondicionamento em caixas são etapas de comercialização, e não de produção, pois são importados prontos para o consumo, o que justificaria o uso do método PRL 20. Contudo, a tese fazendária defende que havendo agregação de valor resultante de bens importados aplicados à produção, deverá incidir o PRL60.

Isto guarda relação com o artigo 18 da lei nº 9.430/96 (revogado atualmente pela Lei nº 14.596/2023), que define o método PRL (Preço de Revenda menos Lucro) como a média aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos de certos valores, dentre eles, a margem de lucro, presumida em 60% na hipótese de bens aplicados à produção e de 20% para simples revenda das mercadorias.

O relator do caso, conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, com base em lei, instruções normativas e precedentes do CARF, entendeu que o PRL60 tem aplicação restrita para bens importados que formarão outros bens (insumos). Nas palavras do relator:

“De qualquer forma, o que precisa ficar claro é que, tal como os métodos PRL20 e PRL60 foram positivados, as operações subjacentes à importação, ou melhor, acréscimos que não alteram a natureza e finalidade do que se importou não tem o condão de afastar o PRL20.

Nesse caso concreto, restou demonstrado que não há produção dos medicamentos no Brasil. Tais medicamentos foram importados já prontos para o consumo, passando-se apenas pela etapa de blisterização, que nada mais é do que uma substituição de embalagens necessária para atender exigências comerciais ou regulatórias, mas que não alteram ou interferem na sua produção em sentido técnico.

Não havendo, assim, aplicação do produto importado pelo contribuinte em uma produção propriamente dita – que não se confunde com agregação ou industrialização -, e estando a revenda do mesmo medicamento importado plenamente caracterizada, eventual agregação de valor está longe de afastar a aplicação do PRL20. Daí a manutenção do acórdão recorrido.”

Contudo, como adiantado, seu posicionamento restou vencido, por voto de qualidade, tendo sido designada para redação do voto vencedor a Conselheira Edeli Pereira Bessa, que ao dar provimento ao recurso especial da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, seguiu a linha do acórdão paradigma nº 9101-002.417, fundamentado pela ex-conselheira Adriana Gomes Rêgo, cujas palavras são reproduzidas abaixo:

“(…)

A questão, assim, é determinar se a blisterização dos comprimidos, sua colocação em caixas de papelão e ulterior adição da bula consiste em mais uma etapa do processo produtivo, como defende a Fazenda Nacional, ou se se trata de mero acondicionamento uniforme em quantidades usadas para fins terapêuticos, sem que haja qualquer processo de transformação ou alteração de suas características originais, não configurando produção, como entende a contribuinte.

(…)

No caso em apreço, a contribuinte importa o produto à granel e, localmente, o embala em blísteres e caixas de papelão, sem o que não poderia comercializá-lo, por força da legislação sanitária brasileira. Ora, se o seu produto só pode ser vendido se for devidamente embalado, resta óbvio que não estamos falando de simples revenda e, por conseguinte, que o procedimento de blisterização e a colocação em caixas de papelão dos comprimidos fazem parte do processo produtivo, constituindo uma última etapa da produção, antes de ser entregue ao respectivo departamento comercial.

Blíster é o nome da embalagem em formato de cartela, composta por um cartão ou filme plástico que serve de base para a fixação do produto dentro de uma bolha plástica (o blister) normalmente com o formato dos contornos do produto. Essa bolha é moldada pelos processos de “Vacuum Forming” ou Termoformagem, utilizando-se de filmes plásticos de PVC ou PET. Ou seja, não é uma operação qualquer de “mero” acondicionamento”, como quer fazer supor a empresa; faz parte efetivamente de um processo, atualmente, quase que totalmente automatizado, com a utilização de mão de obra especializada para a operação e manuseio das máquinas.

Feita a blisterização, o produto ainda passa por um processo de colocação das cartelas com os comprimidos em caixas de papelão, adição da respectiva bula e aposição de selo de segurança, o que dá maior confiabilidade à mercadoria e, conseqüentemente, maior valor agregado. Só então, pode-se considerar que o produto está totalmente acabado e pronto para comercialização.

Por oportuno, destaco que a Contribuinte traz em seu recurso, item 41, referência ao Perguntas e Respostas disponibilizado no endereço virtual da RFB, por meio da qual é dito que o exclusivo acondicionamento ou reacondicionamento não implica a produção de outro bem.

Ocorre que aqui não estamos tratando de mero acondicionamento ou reacondicionamento. É feita uma etapa: justamente a blisterização.

No caso dos autos, não resta dúvida que a blisterização e o acondicionamento dos medicamentos importados à granel em embalagens de papelão, altera a apresentação do produto para venda no mercado interno, caracterizando etapa do processo de produção que agrega valor ao produto final. Evidente que após esta última etapa de produção foi agregado valor ao produto inicialmente importado.

À fl. 681, a Fiscalização observa, para comprovar que se trata de mais uma etapa de produção, que houve a geração dos seguintes custos de produção:

Do ponto de vista, do processo de produção, é fácil comprovar a agregação de valores, conforme a seguir:

1. Importação de comprimidos à granel (semi-acabado);

2. Processo de Blisterização no Brasil (agregação de valor no Brasil):

2.1. Aquisição de imobilizado (máquinas e equipamentos) p/ Blister;

2.2. Despesas de Depreciação do imobilizado;

2.3. Despesas do Seguro da Fábrica;

2.4. Despesas de Energia Elétrica;

2.5. Despesas de Manutenção;

2.6. Mão de Obra Direta e Indireta;

2.7. Blister e Papel Alumínio;

2.8. Embalagens e Bulas;

2.9. Despesas de Combustíveis;

2.10. Outras Despesas Gerais, etc.

Como pudemos observar, o processo de blisterização, implicou em agregação de valor ao produto semi-acabado importado.

(…)”

O voto vencedor também citou outro acórdão da CSRF, 9101-004.833, cujo voto-vencedor foi redigido pelo ex-Conselheiro André Mendes de Moura, em igual sentido, concluindo que “os ajustes de preços de transferência em produtos resultantes de blisterização de insumos importados, ou de aplicação de embalagem secundária a insumos já acondicionados em blísteres, devem se submeter ao método PRL 60.”, portanto, desfavorável ao contribuinte.

Tal interpretação reflete no aumento da carga tributária das empresas, exigindo uma revisão cuidadosa das estratégias fiscais, além de implicar na necessária reavaliação e otimização das práticas empresariais a fim de que fiquem em plena conformidade com as regulamentações vigentes.

Ciente dos desafios que os contribuintes enfrentam diariamente em relação ao Fisco, o escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, com uma sólida tradição e reconhecido nacional e internacionalmente, destaca-se como um escritório boutique que oferece serviços jurídicos personalizados e de alta qualidade. Liderado pelos sócios e advogados Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS reúne uma equipe de profissionais multidisciplinares, altamente qualificados e engajados em proporcionar soluções inovadoras e eficazes para seus clientes.

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Fonte: https://www.jota.info/tributos/blisterizacao-de-comprimidos-e-industrializacao-decide-carf-28062024

 

 

 

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