ASPECTOS RELEVANTES DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Alani Caroline Osowski Figueiredo

Acadêmica de Direito da PUCPR

Estagiária do escritório Delivar de Mattos & Castor Advogados

 

A promulgação da Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, ampliou a justiça penal negociada, em especial, pela previsão inovadora do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em nosso ordenamento jurídico, no artigo 28­-A do Código de Processo Penal. Nesse diapasão, o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos se faz mister, quais sejam, a confissão formal da prática de ilícito penal, o não arquivamento de investigação preliminar, a pena cominada à infração inferior à 4 (quatro) anos, bem como o não cometimento de infração violenta ou com grave ameaça. Ainda, o instituto não abarca crimes de violência doméstica, não é cabível nos casos em que o agente é reincidente. Não vislumbra os casos em que a transação penal seja cabível, como também aqueles em que o agente possua antecedentes que denotem conduta criminal habitual. Por fim, há previsão de que o agente não tenha sido beneficiado nos últimos 5 (cinco) anos com ANPP, transação ou suspensão condicional do processo.

Todavia, uma das maiores indagações foi a possibilidade de propositura do acordo posteriormente ao oferecimento da denúncia. Discussão primordial ocorreu na 14ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da Operação Carne Fraca, onde o juiz abriu vistas ao Parquet, para que este se manifestasse acerca do oferecimento do ANPP. Na oportunidade, os autos estavam conclusos para a sentença e o Ministério Público Federal se manifestou pelo não cabimento do acordo, por entender que o recebimento da denúncia é o marco inicial da ação penal, justificando o argumento nos enunciados nº 19, o qual previu que o oferecimento é uma faculdade do órgão ministerial, e, nº 20, que o ANPP é cabível para fatos anteriores à vigência da nova lei, desde que não oferecida a denúncia, ambos do Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União (CNPG).

Atualmente, os Tribunais têm baixado os feitos em diligência ao primeiro grau, para averiguação da possibilidade do oferecimento do ANPP. É o caso de Apelação Criminal julgada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a qual assegurou a possibilidade de retroação da lei mais benigna, ainda que o processo se encontre em fase recursal, ensejando o ANPP aos processos em andamento (em primeiro ou segundo graus), quando a denúncia tiver sido ofertada antes da vigência do novo artigo 28-A, do CPP, por se tratar de novatio legis in mellius, ou seja, lei posterior que favoreça o réu, de qualquer modo (1). No mesmo segmento, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) editou na última semana, o Enunciado nº 98, concluindo pelo cabimento do oferecimento de ANPP no curso da ação penal, nos processos que estavam em vigência quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, desde que anteriores ao trânsito em julgado (2), reiterando a percepção da Orientação Conjunta nº 03/2018 do MPF (3), ampliada a partir da Lei Anticrime.

Dessa forma, nos casos em que o Ministério Público Federal negar o oferecimento de acordo, é cabível recurso ao órgão superior do Parquet, na esfera federal, a uma das Câmaras Criminais de Coordenação e Revisão do MPF, e na estadual, especificamente no Estado do Paraná, ao Procurador-Geral de Justiça. Ainda, merece reflexão os casos posteriores à vigência da Lei, onde se oferece a denúncia sem ao menos apresentar cota complementar abarcando o ANPP. O órgão ministerial é detentor de poder-dever, e não o acusado detentor de direito subjetivo, no seguimento de entendimentos pacificados nos Tribunais Superiores, com relação à transação penal e o sursis processual. Nesse escopo, o juiz deverá provocar Ministério Público diante da omissão, levando em consideração os objetivos do legislador ao ampliar espaços de consenso no Processo Penal, podendo argumentar inclusive, possível ausência de condição de procedibilidade da ação.

Com o oferecimento da proposta e o aceite por parte do acusado/réu, alguns requisitos devem ser cumpridos, a exemplo da reparação ou restituição do dano à vítima, da abdicação de bens indicados como proveito do crime, da prestação de serviço à comunidade e pecuniária, além de outras condições oportunas indicadas pelo Ministério Público. Sem dúvidas, trata-se de potencial instrumento de resolução de conflitos, ampliando inclusive as perspectivas do acusado, levando em consideração que o cumprimento dos requisitos possibilita a extinção de punibilidade, e da acusação, que acaba se beneficiando com a restituição de verbas aos cofres públicos, sem esquecer a vítima, que também vislumbra a possibilidade de restituição, improvável nos moldes tradicionais.

O novel instituto abarca inúmeras incertezas, tal como, questionamentos de seu cabimento nos crimes tributários. Para além, em caso de aceite do acordo, a confissão poderá ser utilizada em desfavor do réu no decorrer do processo, em caso de descumprimento deste? E como ficam os casos em que houve condenação, o réu não confessou, e a não persecução penal foi oferecida? Estaríamos diante de uma situação de oportunismo? A segurança e previsibilidade jurídicas não estariam ameaçadas? Quais seriam os limites ao oferecimento do ANPP? Esses questionamentos e a necessária delimitação do referido instituto devem ser objeto de contínua análise por parte da doutrina e dos Tribunais.

(1) TRF4, ACR 5005673-56.2018.4.04.7000, OITAVA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 14/05/2020.

(2) MPF. Enunciado nº 98. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/enunciados>. Acesso em: 16 jun. 2020.

(3) MPF. Orientação Conjunta nº 03/2018 – Revisada e ampliada a partir da edição da Lei 13.964/2019. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/orientacoes/documentos/orientacao-conjunta-no-3-2018-assinada-pgr-006676712018.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2020.

 

Artigos e Notícias