A CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA: PACOTE ANTICRIME – LEI Nº 13.964/19

 

Leticia Dombroski

Advogada

 

Considerando o núcleo acusatório estrelado na Constituição Federal de 1988, o devido processo legal criminal transmutou a personalidade inquisitória ao pressupor a presunção de inocência como marco norteador da persecução penal, priorizando a ampla defesa e contraditório como elementares processuais do acusado.

A fim de dar fiel cumprimento aos mandamentos da Carta Magna, a produção probatória não ficou imune às incidências do modelo acusatório-constitucional, pelo contrário, diante da violação às garantias do acusado, estar-se-á diante de (gravíssima) nulidade.

A eficácia da prova penal está consignada, portanto, na capacidade de manter e documentar a história cronológica do vestígio – objeto ou material de interesse à elucidação dos fatos – outorgando requisitos capazes de constatar (in)certezas quanto a integridade, confiabilidade e higidez da prova, possibilitando, nesses termos, o questionamento aos dados relatados na investigação criminal, consagrando as garantias constitucionais do núcleo acusatório.

Em síntese, a validade da prova penal, diante do núcleo acusatório processual, depende invariavelmente de sólida cadeia de custódia que a suporte.

Entretanto, raramente o procedimento probatório é regulamentado, estando presente, tão somente, a base legal do resultado da instrução realizada, constatação, essa, que já foi base de declaração de nulidade da persecução penal, por exemplo, na Operação Negócio da China[1] por ausência da preservação da cadeia de custódia da prova de interceptação telefônica.

Em 2014, o Ministério da Justiça (MJ) publicou a Portaria nº 82 descrevendo os requisitos mínimos necessários à consolidação da cadeia de custódia da prova, determinando que as normas técnicas lá contidas fossem de caráter obrigatório a todos os órgãos da Força Nacional de Segurança.

O Pacote Anticrime – Lei nº 13.694/19 – transcrevendo ipsis litteris o ato do Ministério da Justiça inseriu os artigos 158-A a 158-F no Código de Processo Penal, os quais regulamentam a cadeia de custódia e o conjunto de procedimento utilizados para manter e documentar a prova na persecução penal.

A legislação federal elencou 10 (dez) etapas a serem seguidas a fim de concretizar a estrutura da prova, são elas: i) reconhecimento; ii) isolamento, iii) fixação; iv) coleta; v) acondicionamento; vi) transporte; vii) recebimento; viii) processamento; ix) armazenamento; e x) descarte.

Cada etapa narra o ato reconstrutivo da prova – rastreamento do iter probatório, ainda que genericamente, com métodos aplicáveis a quaisquer tipos de prova – corpo de delito à perícia virtual – consolidando o resguardo por parâmetros técnicos-científicos capazes de oportunizar uma prova confiável, em respeito ao devido processo legal, e, simultaneamente, superar entraves que reiteradamente vêm sendo utilizados pela jurisprudência pátria para anular operações criminais.

Logo, quando instituída e capacitada a cadeia de custódia da prova, há a confluência entre do comportamento processual com o controle de legalidade das provas, possibilitando a quaisquer das partes, em especial a defesa, opor mecanismos em favor do exercício do direito da prova.

Nesse campo, expressa-se, consequentemente, umas das máximas do sistema acusatório, qual seja, a paridade de armas, na condição de validade jurídica da prova, uma vez que conduz tanto para o rastreio elementar da fonte da prova e simultaneamente a detecção sequencial dos atos praticados (identificação, manuseio, etc.).

Isto posto, a alteração legislativa advinda do denominado “Pacote Anticrime” traz ao processo penal fundamento tipicamente acusatório com a finalidade de assegurar uma sequência descritiva, lógica e legal da instrução penal – ora, cadeia de custódia–, resguardando a prova como um todo, evitando nulidades posteriores, e, principalmente, elevando as máximas do devido processo legal, ampla defesa e contraditório ao controle jurisdicional da persecução penal.

 

 

[1] Superior Tribunal de Justiça. Revista Eletrônica de Jurisprudência. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1297583&num_registro=201000153608&data=20140317&formato=PDF>. Acesso em: 22 jun. 2020.

 

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