Entenda por que o Carf não condenou o Itaú ao Pagamento de R$ 4 Bilhões em Processo de Incorporação do Unibanco

Em sessão de julgamento de 04/02/2025, a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por meio do acórdão nº 9101-007.284 (Processo nº 16327.720945/2018-36), não conheceu do recurso da especial da Procuradoria, rejeitando a tentativa do Fisco de cobrar do Itaú cerca de R$ 4 bilhões de imposto (IRPJ/CSLL/PIS/COFINS), alegando um suposto planejamento tributário abusivo no processo de incorporação do Unibanco.

A Procuradoria questionou a estruturação da incorporação do Unibanco pelo Itaú, realizada em 2010, no valor de R$ 20 bilhões, que retornaram ao Itaú por meio de Certificados de Depósito Interbancário (CDI), alegando ter se configurado uma negociação para reduzir a carga tributária do banco adquirente. Basicamente, a alegação do Fisco é de que o comprador teve uma redução de carga tributária indevida, vez que o Itaú cobriu a dívida do Unibanco correspondente a R$ 20 bilhões para, na sequência, o Unibanco fazer um empréstimo de mesmo valor para o Itaú, porém, por meio de CDIs, aproveitando as receitas dos juros pagos pelo Itaú para compensar com seu saldo de prejuízo, ao passo que o Itaú computou os juros pagos como despesas, deduzindo-os da CSLL e IRPJ.

Em primeira instância, de acordo como o acórdão nº 1301-006.176, julgado em 17/11/2022, o recurso do contribuinte (Itaú) já havia sido provido. Nas palavras do relator designado para o voto vencedor, Conselheiro José Eduardo Dornelas Souza:

“Não prospera a acusação. Ora, o fato de os recursos recebidos pelo Unibanco, em aumento de capital, terem sido utilizados em aplicações financeiras, não descaracteriza o aumento de capital, até porque nenhuma empresa, administrada com o mínimo de razoabilidade, recebe aumento de capital e deixa o dinheiro recebido parado em caixa, quanto mais naquela monta, e, no caso de uma instituição financeira, é de se compreender que a aquisição de CDI é uma operação regular e consentânea ao seu objeto social.

Note-se, nesse particular, que tanto o aumento como a redução de capital de uma instituição financeira dependem de aprovação do Banco Central do Brasil, e que uma vez realizado o aumento de capital, sua posterior redução, nos termos do art. 174 da Lei nº 6.404/76, também se sujeita à oposição dos credores quirografários e prévia aprovação pela maioria de eventuais debenturistas.

Afirmou a Recorrente que essas operações foram inseridas no contexto da associação entre os conglomerados Itaú e Unibanco, levada a efeito em novembro de 2008, com o objetivo de unificar as operações financeiras dos dois grupos numa única estrutura empresarial.

E, no momento da associação, o Unibanco possuía saldos representativos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL, e esse ativo financeiro não poderia ser ignorado pelo investidor.

No meu entender, essa informação é importante e merece o destaque. Por óbvio o aumento do capital realizado, visando prover o Unibanco do capital necessário ao incremento de suas aplicações financeiras, tinha o propósito claro de viabilizar a apuração de um lucro para permitir a compensação em menor prazo daqueles prejuízos e base negativa e ao final a sua incorporação, o que traria benefícios econômico-financeiros não para as pessoas participantes da operação, como também para todos o conglomerado.

Assim, ao contrário do entendimento esposado pela i. Relatora, a realização de operações visando à geração de lucros que absorvem prejuízos e bases negativas acumuladas do Unibanco é um propósito legítimo e não afasta a necessidade das despesas incorridas pelo Recorrente.

Isso porque a existência de elevados saldos de prejuízos fiscais e base negativa da CSLL de uma controlada, compromete a capacidade operacional do conglomerado financeiro como um todo, de modo que a realização de operações visando à sua utilização representa medida de boa gestão administrativa e também propósito negocial legítimo.

Nesse aspecto, penso ser relevante o argumento de defesa, quando evidencia que a CVM e BACEN, através de suas normas, obrigam as instituições financeiras a manterem permanentemente um compromisso de capital (“Patrimônio de Referência Exigido”), composto pela somatória de diversos elementos, e dentre elas, o crédito tributário relativo a prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da CSLL, ponderado a 300%. (…)

Vê-se, portanto, que as compensações dos prejuízos do Unibanco, viabilizada

pelas operações realizadas, consubstanciava um objetivo legítimo e que deveria ser buscado, até para reduzir o Patrimônio de Referência Exigido para o grupo, liberando capital a ser utilizado em aquisições e/ou operações mais lucrativas, infirmando a premissa em que está assentada a acusação fiscal.

(…)

No entanto, o enfoque que deve ser conferido ao conceito de necessidade, previsto na legislação do Imposto de Renda, é inteiramente diferente daquele que foi dado pela fiscalização, pela decisão recorrida, e confirmado pela I. Relatora. Compreendo que entende-se por necessária, e por consequência, dedutível, quando a despesa for inerente à atividade da empresa, ou dela decorrente, ou com ela relacionada, ou surgir simplesmente da existência da empresa ou do papel social que a mesma desempenha.

No caso dos autos, tratando-se de instituições financeiras há de se reconhecer que as despesas incorridas na captação de recursos por meio de operações de DI estão sim intrinsecamente relacionadas às atividades bancárias desenvolvidas pela Recorrente, tanto que tais operações foram expressamente regulamentadas pela CMN, Resolução nº 3.399/06.

Nesse contexto, pode-se afirmar, inclusive, que tais despesas independe do motivo que justifica tais operações (carência de recursos próprios, política financeiras, etc.), pois a regra é que são dispêndios provenientes da atividade da empresa, especialmente em casos como o presente, onde a fiscalização não questiona a efetividade das operações financeiras em questão, tampouco questiona as condições em que as mesmas foram contratadas (até porque os Depósitos Interfinanceiros realizados pelo Unibanco foram remunerados com base nas taxas de mercado).

(…)”

[grifos nossos]

 A Procuradoria, como adiantado, recorreu de tal decisão perante a CSRF, que por maioria, decidiu não conhecer do recurso, entendendo que o paradigma invocado pela Procuradoria carecia de pertinência com o caso em análise.

Para o julgamento da matéria de mérito dos recursos especiais, o recorrente precisa demonstrar que há divergência de interpretação sobre a matéria de direito por ele defendida entre as diferentes turmas do CARF. Este é um requisito de admissibilidade. Se demonstrada a divergência, aí, sim, a matéria de mérito será analisada pelos conselheiros, do contrário, o recurso não é conhecido, como aconteceu no caso ora analisado.

A conselheira Edeli Pereira Bessa até abriu divergência, mas não foi acompanhada. Assim, o mérito da questão – a legitimidade do planejamento tributário – sequer foi apreciado, prevalecendo a tese de inadmissibilidade do recurso por ausência de semelhança entre os precedentes.

O caso revela as várias facetas que uma única operação pode manifestar, seja em relação aos cuidados referentes ao planejamento tributário adotado em incorporações e outros atos de transformação societária para garantia de sua legalidade e legitimidade, seja em relação ao conhecimento da visão do Fisco sobre os mesmos fatos, bem como sobre a necessidade de domínio do processo administrativo fiscal.

O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, contando com a atuação direta de seus sócios, RODRIGO CASTOR DE MATTOS e ANALICE CASTOR DE MATTOS, atua na área de Direito Tributário e Aduaneiro, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, com mais de 25 anos de experiência, aliando tradição e inovação, a fim de propor a seus clientes, pessoas físicas e jurídicas, planejamentos tributários realistas e soluções tributárias eficazes.

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 Fonte:

https://www.conjur.com.br/2025-fev-04/carf-desobriga-itau-a-pagar-r-4-bi-por-processo-de-incorporacao-do-unibanco/