Da fiança arbitrada pela autoridade policial e suas consequências jurídicas

A fiança, conforme ensina Renato Brasileiro de Lima, é um “direito subjetivo constitucional do acusado, a fim de que, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, possa permanecer em liberdade até a sentença condenatória irrecorrível.”

Por Isabella Ferraz Destro

Inscrita na OAB/PR nº 105.209

Pós-Graduada em Direito Processual Civil

 

O artigo 5º, inciso LXVI da Constituição Federal assegura ser a fiança uma garantia fundamental, dispondo que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

A fiança, conforme ensina Renato Brasileiro de Lima, é um “direito subjetivo constitucional do acusado, a fim de que, mediante caução e cumprimento de certas obrigações, possa permanecer em liberdade até a sentença condenatória irrecorrível.” [1]

Sua denegação, portanto, mesmo dentro das hipóteses legais para tanto, consistirá em constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir, autorizando-se a impetração de Habeas Corpus com fundamento no art. 648, inciso V, do Código de Processo Penal.

Quando a infração possuir pena máxima não superior a quatro anos, a autoridade policial possui autonomia de conceder fiança, nos termos do que dispõe o art. 322 do Código de Processo Penal[2], sendo que nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas.

Nesse diapasão, se o crime tiver pena máxima em abstrato de até quatro anos, a autoridade policial poderá arbitrar fiança, uma vez que possui atribuição legal para isso, ou seja, é um poder-dever da autoridade policial, sob pena de constituir abuso de autoridade deixar, dentro de prazo razoável, de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível. Até porque, a prisão é exceção, deve ser imposta somente como ultima ratio.

Conforme ensina Gustavo Henrique Badaró:

(…) tal limite legal foi estabelecido para permitir que a fiança seja concedida pela autoridade policial nas hipóteses em que, provavelmente, será cabível a substituição de eventual pena privativa de liberdade por restritiva de direito (CP, inciso I do caput do art. 44). Assim, se, ao final do processo, em caso de condenação, o acusado não ficar preso, não haverá justificativa para mantê-lo em prisão cautelar no curso do inquérito policial, nem que seja por um curto período de tempo, até que o juiz aprecie a prisão em flagrante.[3]

Ora, uma vez arbitrada a fiança, já houve o reconhecimento, por parte da autoridade (policial ou judiciária), de que o indivíduo faz jus a sua liberdade, assim, uma vez arbitrada a fiança no bojo do Auto de Prisão em Flagrante, a autoridade policial deverá recebê-la a qualquer momento, sob pena de ferir uma cláusula pétrea e, uma vez arbitrada a fiança, não é necessário que o beneficiado se dirija ao Poder Judiciário para ver reconhecido o seu direito.

A questão é de suma importância, uma vez que está lidando com a liberdade do indivíduo, sendo que se deve evitar prolongar, indevidamente, o encarceramento do beneficiário da referida medida cautelar diversa da prisão.

Tanto é, que o CNJ publicou a Resolução 224, de 31 de maio de 2016, que dispõe sobre o recolhimento do valor arbitrado judicialmente a título de fiança criminal na ausência de expediente bancário.

Em assim sendo, considerando ser a autoridade policial a responsável pelo arbitramento da fiança, nestes casos, e pelo seu recolhimento, tem-se não ser necessária a expedição de alvará de soltura para colocação em liberdade do preso que veio a prestá-la, eis que, se assim fosse, a autoridade policial estaria negando eficácia a um direito inicialmente reconhecido.

 

——-

[1] LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. P. 988.
[2] Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
[3] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2020. P. 1245.

Artigos e Notícias