Programa Science-Based Targets initiative (SBTi) alcançou no ano passado um número de empresas que representa mais de um terço da capitalização de mercado global
Em 2021, o número de empresas trabalhando com o programa Science-Based Targets initiative (SBTi), com metas ou compromissos de redução de emissões aprovados, dobrou para 2.253 – estima-se que, juntas, essas empresas, localizadas em 70 países e de 15 setores diferentes, representam mais de um terço (35%) da capitalização de mercado da economia global, com valor de US$ 38 trilhões.
O SBTi trabalha para que as companhias adotem metas baseadas em ciência para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e frear o aquecimento global. O seu relatório anual, divulgado nesta quinta-feira, 12, aponta que 2021 foi um ano de crescimento recorde: em média, o programa conseguiu trabalhar com 110 novas companhias por mês, comparado a 32 companhias por mês em 2020. E, em 2022, o crescimento não parou, com quase 500 companhias se juntando à iniciativa somente no primeiro trimestre.
Luiz Amaral, presidente do SBTi, aponta que o crescimento da iniciativa reflete o cenário em que a preocupação com a redução de emissões finalmente se tornou senso comum, tanto no meio corporativo como na sociedade em geral. “É um reflexo do amadurecimento da ideia de que a ação das empresas na área de mudanças climáticas é algo absolutamente essencial para os seus negócios, tanto do ponto de vista de riscos como de oportunidades. Com a urgência do tema, o que o SBTi traz para as empresas e para a sociedade nunca foi tão importante como agora”, afirma.
Limite de 1,5°C
Segundo o relatório, a maioria de metas que englobam emissões de escopo 1 e 2, ou seja, emissões diretas das operações da própria empresa e emissões provenientes da energia elétrica usada pela própria empresa, estão alinhadas com a ambição de limitar o aquecimento do planeta a apenas 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. O objetivo do SBTi é que metas desse tipo se tornem o novo normal e, a partir de julho de 2022, o programa irá aceitar somente submissões de metas alinhadas com esse limite de 1,5ºC.
No fim de 2021, 68% de todas as empresas com metas aprovadas estavam alinhadas com o limite de 1,5ºC (em 2020, eram 41%). Dessas empresas, 63% dizem ter intenção de cortar emissões em ritmo mais alto do que o exigido pelo SBTi, de 4,2% por ano. Durante o ano de 2021, das 587 metas aprovadas, quase 80% estavam alinhadas ao limite de 1,5°C. A campanha Business Ambition, lançada em 2019 pelo SBTi, com a UN Global Compact e a We Mean Business, ajudou a colocar o limite de 1,5°C no centro das metas.
“Nosso objetivo é realmente definir quais ambições corporativas realmente valem para frear o aquecimento global, de acordo com o que diz a ciência”, afirmaAmaral. “Definimos padrões e guias para que as empresas alcancem o estabelecimento dessas metas que realmente contribuam para manter o aumento de temperatura em no máximo 1,5°C.”
O relatório também mostra que, das empresas com metas validadas, 78% aprovou metas para redução de emissões do escopo 3, ou seja, emissões provenientes de toda a sua cadeia de fornecimento. Outros 13% estabeleceram metas de engajamento de fornecedores para incentivá-los a estabelecerem suas próprias metas. O SBTi exige que metas de escopo 3 sejam estabelecidas em casos nos quais representam mais de 40% das emissões de uma empresa.
Outro dado destacado pelo relatório é que empresas com metas aprovadas reduziram em 29% suas emissões de escopo 1 e 2 entre 2015 e 2020. Também é apontado que as empresas que trabalham com o SBTi têm reduzido suas emissões duas vezes mais rápido do que o exigido pelo programa para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
‘Massa crítica’
Com base em teorias de difusão de inovações, que dizem que a adoção de novas práticas por um determinado percentual de membros de um sistema é rapidamente seguido pela adoção dos membros restantes, o SBTi adota o percentual de 20% como a “massa crítica” para que haja um ponto de virada para a adoção de metas baseadas em ciência para a redução de emissões das empresas.
“Quando há uma nova prática, os primeiros a adotar são geralmente os líderes, os mais engajados e interessados naquele assunto”, explica Amaral. “O desafio é como podemos ampliar para além desses primeiros, como atingimos todo o mercado. Acreditamos que, ao atingir 20% ou mais do mercado com a prática de estabelecimento de metas para reduzir emissões, estamos nesse ponto de virada em que o restante dos atores começará a adotar a prática também.”
De acordo com os dados do relatório, o SBTi alcançou 27% das empresas de alto impacto climático do mundo em 2021, atingindo a “massa crítica”. Para Amaral, atingir esse percentual entre empresas de alto impacto, setor chave para frear o aquecimento global, aponta que logo a adoção das metas baseadas em ciência para reduzir emissões tomará o mercado como essencial para a sobrevivência dos negócios. “Será uma condição para as empresas continuarem operando”, diz.
‘Net-Zero Standard’
O documento anual também destaca que o SBTi lançou, em outubro de 2021, o Net-Zero Standard, padrão de critérios e recomendações para que empresas estabeleçam metas de curto e longo prazo visando atingir a neutralidade em carbono.
“Nosso guias evoluíram. Temos padrões de curto prazo, metas de redução de 10, 15 anos, e agora lançamos esse padrão visando o longo prazo, que é o Net-Zero Standard, para estabelecer como chegaremos à neutralidade em 2050”, aponta Luiz Amaral.
Desafios
Apesar dos inúmeros avanços, o relatório do SBTi também traz desafios. A maior parte das empresas que trabalham com a iniciativa estão na Europa (55%) e na América do Norte (18%), seguidas pela Ásia (20%). Menos empresas se encontram na América Latina (3%), Oceania (3%) e África (1%).
“É um reflexo também do tamanho das economias, obviamente por isso não esperamos que os números se igualem. Mas temos que acelerar esse crescimento nessas partes do mundo que estão para trás. Eu, por exemplo, como brasileiro que trabalha na área há quase 20 anos, sei que o Brasil tem um potencial enorme para ser um líder nesta área. Nós não aproveitamos todo o potencial que temos”, diz Amaral.
Alguns setores que são os maiores emissores de gases de efeitos estufa também estão subrepresentados no SBTi, e a iniciativa está buscando um maior engajamento desses setores. Além dos padrões e guias gerais, algumas indústrias mais complexas como óleo e gás, energia e construção também têm padrões específicos desenvolvidos pelo SBTi, para ajustar metodologias e combater suas dificuldades.
Outro desafio é a questão da comunicação e transparência dos progressos feitos pelas empresas, que, segundo o relatório, ainda precisa melhorar. O SBTi estabelece padrões e guias justamente para melhorar a transparência e a comunicação, para que empresas do mundo todo sigam metas baseadas em ciência, mas ainda não consegue verificar os processos.
“Colocamos accountability no processo de ambição, validando e aprovando metas que as empresas querem atingir. O que ainda está faltando é realmente acompanhar se essas metas estão sendo seguidas. Agora estamos desenvolvendo um sistema para isso, de medição, report e verificação”, diz Luiz. “A boa notícia desse relatório é esse crescimento e essa chegada à ‘massa crítica’, a esse ponto de virada. Mas obviamente ainda há muito a se fazer”, conclui.
Fonte: Estadão