Decisão dada em recurso do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) é a primeira de mérito de segunda instância que se tem notícia
Fonte: Valor Econômico 08/03/2020 (Clique aqui para ler o texto original)
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, entendeu que as câmaras de arbitragem e mediação não precisam fornecer informações de processos à Receita Federal. A decisão, dada em recurso do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), é a primeira de mérito de segunda instância que se tem notícia.
Pelo menos três câmaras foram à Justiça depois que a Receita Federal, em 2013, passou a fiscalizá-las e exigir, além de informações de suas atividades, dados (nomes das partes e valores envolvidos) e acesso aos outros das arbitragens – que pelos contratos firmados são sigilosos.
Apenas a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem decidiu repassar informações à Receita Federal. O Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), de São Paulo, e a Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb), de Belo Horizonte, além do CBMA, do Rio de Janeiro, resolveram ajuizar ações.
O CBMA foi à Justiça depois de ser notificado, em março de 2013, a entregar dados dos processos e cópias de sentenças ou acordos arbitrais proferidos entre janeiro de 2008 e dezembro de 2011. Em Primeira instância, teve seu processo extinto, sem análise do mérito. Mas conseguiu reverter a decisão no TRF da 2ª Região.
Por três votos a dois, os desembargadores da 4ª Turma entenderam que os centros de arbitragem não estão previstos no rol das pessoas e entidades obrigadas a apresentar informações de terceiros, previsto no artigo 197 do Código Tributário Nacional (CTN). Na lista, estão, por exemplo, tabeliões, bancos, empresas de administração de bens, corretores, leiloeiros, inventariantes e síndicos.
De acordo com os desembargadores, a Receita Federal não poderia ampliar o rol por norma infralegal, o que violaria o próprio artigo 197 do CTN e o artigo 146 da Constituição – que exige lei complementar para estabelecer normas gerais sobre legislação tributária -, além dos princípios da segurança jurídica e serva legal (processo nº 0017682-42.2013.4.02.5101).
Em seu voto, o relator, juiz federal convocado Luiz Norton Baptista de Mattos, destaca, porém, que essas entidades devem prestar informações sobre a sua condição de contribuinte. “Em relação às informações de terceiros, essa obrigação só pode ser imposta às pessoas físicas e jurídicas expressas no artigo 197 do CTN ou em Lei, não podendo ser estendida pelas demais normas que compõem a legislação tributária, como decretos e regulamentos normativos”, diz.
Para ele, o Regulamento do Imposto de Renda “não constitui base normativa apta a obrigar que o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem cumpra com o Termo de Intimação que determina a entrega de cópia de sentenças ou acordos exarados nos processos arbitrais de janeiro de 2008 a dezembro de 2011, assim como dos honorários daqueles que contrataram os serviços de mediação ou arbitragem”.
Na decisão, o magistrado ainda cita julgamento da 3ª Turma do TRF da 3ª Região, em São Paulo, a favor do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (processo nº 0025812-68.2013.4.03.0000). Segundo a decisão liminar, a Lei de Arbitragem (nº 9.307, de 1996) “não prevê a obrigatoriedade de prestação de informações como pretende o órgão fazendário”.
Apesar da citação, a liminar foi cassada e a sentença foi contrária à CAM-CCBC, que agora aguarda nova decisão do TRF. Os advogados da entidade preferiram não se manifestar sobre o caso.
O processo do CBMA foi movido pelos advogados da Comissão Especial de Assuntos Tributários da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). A decisão, de acordo com o presidente da Comissão, Mauricio Faro, “traz um precedente importante ao delimitar a pretensão reiterada da Fazenda em extrapolar os limites impostos pelo CTN”. A Receita, acrescenta, não pode usar normas, portarias e instruções normativas para alargar a a sua ação Fiscalizatória.
O vice-presidente da Comissão, Gilberto Fraga, ressalta que não há lei para obrigar as câmaras a transmitir informações de terceiros e que a atitude da Receita afronta o princípio da legalidade. Além disso, afirma, o artigo 2º da Lei de Arbitragem cita apenas que “a arbitragem que envolva a administração pública respeitará o princípio da publicidade”. “Por eliminação, as demais não estão sujeitas à publicidade”.
No caso da Camarb, a discussão já foi encerrada, após sentença da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo. Ao analisar o processo (nº 0011011-83.2013.4.03.6100), o juiz José Henrique Prescendo entendeu que não se nega o direito as acesso à contabilidade da câmara para fins de fiscalização. “Todavia, no quanto o Fisco pretende obter dados dos clientes da impetrante, deve-se diligenciar junto aos mesmos”, diz na decisão.
Segundo o advogado que assessorou a CAMARB no processo, Igor Mauler Santiago, do Mauler Advogados, como logo depois a Receita Federal encerrou a fiscalização, optou-se por desistir do processo. Para ele, as câmaras não podem entregar as informações solicitadas pela Receita Federal sob pena, inclusive, de cometimento do crime de violação de segredo profissional, previsto no artigo 154 do Código Penal.
Por nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que o processo do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem está sendo devidamente acompanhado e que serão interpostos os recursos cabíveis. “A documentação exigida pela Receita Federal é principalmente a da própria entidade fiscalizada (CBMA), relacionada às receitas percebidas com a atividade de arbitragem”. Trata-se, acrescenta, “do legítimo exercício do dever-poder de polícia fiscal, decorrentes dos artigos 195,197, VII, do CTN que preveem o dever legal de prestações de informações à administração tributária, sendo que a Receita Federal tem o dever de sigilo fiscal por determinação expressa do artigo 198 do CTN”.