O Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a responsabilidade solidária no seu artigo 25:
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
- 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
- 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.
Contudo, para a responsabilidade solidária se configurar, a responsabilidade pelo dano causado precisa de fato ter ocorrido, ou seja, precisa ter sido comprovada, independentemente de culpa. Porém, quando a culpa pelo dano que se configurou derivar de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, a responsabilidade do fornecedor é afastada, inclusive a solidária, no caso de mais de um fornecedor ter sido acusado de ter prejudicado o consumidor. Isto está previsto no artigo 14, §3º, inciso II do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
- 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Com base em tais premissas, em 19 de setembro de 2025, a Terceira Turma Recursal do Juizado Especial do Distrito Federal, publicou o acórdão 2042743 (processo nº 0719902-04.2025.8.07.0016), de relatoria da Juíza MARGARETH CRISTINA BECKER, consignando o entendimento de que não há responsabilidade solidária entre a intermediadora de pagamentos e plataforma de aposta virtual em relação aos prejuízos sofridos pelo consumidor que teve conta bloqueada e prêmio não pago pela plataforma de aposta.
No voto, seguido por unanimidade, a relatora do caso fundamentou o seguinte:
“(…)
- A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
- Não obstante, a inversão do ônus da prova não exime a parte autora da prova mínima dos fatos constitutivos do seu direito e do nexo causal entre a atuação da parte ré e os prejuízos alegados (STJ, AgInt no REsp 2088955/BA, 2023/0240580-3, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 13.5.2024).
- O autor realizou transferência bancária, via PIX, no valor de R$3.000,00 para a empresa ré, objetivando participar de jogos virtuais na plataforma ZZ77.com. Alega que foi contemplado com um prêmio de R$56.700,00, mas ao tentar efetuar o saque da quantia teve a conta bloqueada.
- No tocante à responsabilidade, a ré SECUREPAYMENTS LTDA exerce a função de facilitadora do pagamento entre o apostador e a casa de aposta, cuja participação se exaure com a viabilização da participação nos jogos online e a formalização do modo do pagamento, de forma que a solidariedade tratada no artigo 25 do CDC não se estende à hipótese em comento.
- A instituição intermediadora de pagamentos que atua exclusivamente no processamento das transações financeiras, sem exercer qualquer ingerência sobre a plataforma de jogos ou sobre a liberação dos valores nela movimentados, não pode ser responsabilizada por eventuais prejuízos decorrentes da adesão do consumidor a ambiente virtual de apostas de origem duvidosa. Inexistente o nexo causal entre a conduta da intermediadora e os danos alegados, afasta-se a sua responsabilidade civil, nos termos do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, sendo caracterizada, no caso, culpa exclusiva da vítima ao aderir, de forma voluntária, a serviço não identificado formalmente e não autorizado pelos órgãos competentes. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1000573-03.2023.8.26.0297; Relator (a): Rodrigo Ferreira Rocha; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível e Criminal; Foro de Jales – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 27/11/2023; Data de Registro: 01/12/2023; TJSP; Apelação Cível 1002090-15.2024.8.26.0101; Relator (a): Paulo Alonso; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Caçapava – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/05/2025; Data de Registro: 29/05/2025).
- Por conseguinte, ante a ausência de prática ilícita ou abusiva atribuída à ré/recorrida, escorreita a sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais.
(…)”
O Delivar de Mattos & Castor (DMC), liderado pelos sócios Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, ressalta a importância de decisões como a relatada acima para o setor de Jogos e Apostas, cuja regulamentação é recente no Brasil, pois é muito importante que a jurisprudência que começar a se formar a partir de agora seja construída sobre bases legais sólidas, respeitando a legislação protetiva nos limites que ela traçou.
No caso apreciado, a Terceira Turma escorreitamente entendeu pela ausência de responsabilidade da intermediadora de pagamentos, já que sua função não guarda qualquer ingerência com os trâmites da aposta em si.
Vale destacar que, em 20 de março deste ano, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) publicou a Portaria nº 566, que dispõe sobre os procedimentos relativos ao cumprimento do disposto no art. 21 da Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, estabelecendo condições, prazos e fluxos de encaminhamento de informações decorrentes da vedação imposta aos instituidores de arranjos de pagamento, bem como às instituições financeiras e de pagamento, em permitir transações, ou a elas dar curso, que tenham por finalidade a realização de apostas de quota fixa com pessoas jurídicas que não tenham recebido a autorização para a exploração desta atividade.
Note-se que a referida portaria não faz menção as intermediadoras de pagamento, figura diferente das instituições de pagamento e financeiras e dos instituidores de arranjos de pagamento, na medida em que as intermediadoras tão somente facilitam as transações financeiras online ao conectar compradores e vendedores, sendo responsáveis por processar os pagamentos e garantir a segurança da transação. Elas não podem interferir nos negócios jurídicos entre o comprador e vendedor, ou, no caso das apostas virtuais, entre a plataforma de aposta e o apostador.
O DMC entende que advocacia séria é aquela que busca compreender as expectativas e interesses dos clientes e equalizá-los com a realidade dos fatos e do direito, para propor soluções realmente eficazes, com resultados úteis. É por isso que o famoso jargão comercial “o cliente tem sempre razão” deve ficar restrito a esfera comercial, não contaminando os operadores do direito, sejam os julgadores sejam os defensores, que devem ponderar, em situações como a do caso apreciado pelo Juizado Especial do DF, no mínimo: a (in)existência de vulnerabilidade informacional ou técnica por parte do consumidor, a fim de averiguar até que ponto ele, de fato, conscientemente, optou por apostar em uma plataforma de origem duvidosa ou se foi vítima de alguma fraude, o incansável trabalho promovido pela SPA, com medidas práticas e legislativas no combate ao jogo ilegal e compreender a função de cada agente da cadeia de consumo, a fim de identificar os limites de sua responsabilidade e nexo causal entre o ato supostamente ilícito e o dano configurado.
Fonte: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-566-de-20-de-marco-de-2025-619268422
https://jurisdf.tjdft.jus.br/acordaos/2042743/inteiro-teor/bd1efd5a-5ede-4a07-acc7-234643e86e3d
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