OS EFEITOS DA SANÇÃO DE PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO, POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, NO ÂMBITO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM VIGOR

Por Raphael Ricardo Tissi (1)

 

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 4º, estabelece que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

 

Sobreveio, então, a Lei nº 8.429/1992, a qual regulamentou referido dispositivo constitucional, delimitando os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), que causam prejuízo ao erário (artigo 10) e, por fim, que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11).

 

Referida lei regulamenta as sanções aplicáveis em decorrência de atos de improbidade administrativa a agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação a princípios da Administração Pública. Dentre as sanções previstas em seu artigo 12 tem-se a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazos que variam de 3 (três) a de 10 (dez) anos, conforme a gravidade do fato (2).

 

Contudo, verifica-se que a Lei de Improbidade Administrativa não traz previsão expressa sobre os efeitos da proibição de contratar com o Poder Público nos contratos administrativos em vigor, em que a pessoa física ou jurídica penalizada figure como parte.

 

Diante da lacuna legislativa e da escassa doutrina e jurisprudência a respeito do tema, abre-se a possibilidade de aplicação da analogia (3), que é prevista, inclusive, no artigo 4º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, também conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (4).

 

Nesse cenário, verifica-se que a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) prevê, em seu artigo 87, dentre as sanções administrativas aplicáveis pela Administração Pública, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos (inciso III) e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (inciso IV) (5).

 

Percebe-se, assim, uma nítida semelhança entre a sanção de proibição de contratar com o Poder Público, prevista no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, e a penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos (inciso III) e de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (inciso IV), previstas no artigo 87 da Lei de Licitações. Em ambas o contratado penalizado – por decisão judicial na primeira hipótese e por decisão administrativa na segunda – fica impossibilitado juridicamente de contratar com a Administração Pública.

 

Essa identidade autoriza a aplicação da jurisprudência firmada sobre os efeitos da declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública (artigo 87, inciso IV, da Lei de Licitações), nos contratos já existentes e em andamento, também nos casos em que a proibição de contratar com o Poder Público seja decorrente de atos de improbidade administrativa.

 

O Superior Tribunal de Justiça, que tem a competência de uniformizar a interpretação das leis federais em todo o Brasil, pacificou entendimento no sentido de que a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, prevista no artigo 87 da Lei de Licitações, só produz efeitos ex nunc, ou seja, só produz efeitos para o futuro, sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.

 

Nessa linha de raciocínio, firmou-se posição de que a sanção em questão não acarreta, de forma automática, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em regular execução, ou seja, a superveniência de penalidade dessa natureza no curso de contrato já firmado e em andamento não tem o condão de romper o vínculo contratual com a Administração Pública (6).

 

O que se percebe, assim, é que não é possível que outros contratos administrativos, nos quais o particular penalizado figure como parte, sejam rescindidos automática e abruptamente pela Administração Pública simplesmente em decorrência da imposição da sanção.

 

Contudo, em tais precedentes se ressalvou expressamente a faculdade das entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos previstos no artigo 78 da Lei 8.666/93 (7), por decisão fundamentada e assegurada a ampla defesa e o contraditório ao particular (artigo 78, parágrafo único).

 

Não é demais observar, como bem pondera Marçal JUSTEN FILHO, que: “Sempre que a Administração pretender a rescisão do contrato por inadimplemento do particular, deverá evidenciar não apenas a concretização de uma das hipóteses do artigo 78. É fundamental apontar o vínculo entre essa conduta e a lesão ao interesse público. Quando o inadimplemento for irrelevante ou secundário e não envolver a satisfação de deveres fundamentais, a Administração poderá impor sanções ao particular. Mas não poderá decretar a rescisão”. (8)

 

Desse modo a simples imposição da sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração ou de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública não implica na obrigatoriedade desta última em rescindir o contrato administrativo em vigor e em execução, pois a sanção só produz efeito para o futuro (ex nunc).

 

Ante a nítida semelhança e paridade das situações, conclui-se que o mesmo raciocínio se aplica a hipótese de o contratado ser penalizado com a sanção de proibição de contratar com o Poder Público em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa (artigo 12 da Lei nº 8.429/92). Assim, os contratos já aperfeiçoados juridicamente e em execução quando tal sanção passa a produzir efeitos não devem ser rescindidos automaticamente, tão somente em virtude desta penalidade, a qual, como já visto, só produz efeitos para o futuro (ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.

 

 

(1) Advogado em Curitiba/PR, sócio do escritório Delivar de Mattos & Castor Advogados Associados, graduado pela PUC-PR e com pós-graduação pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR.

 

(2) Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

IV – na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

 

(3) Como bem esclarece DE PLÁCIDO E SILVA: “ANALOGIA. Originado do grego, é expressão que significa a semelhança ou paridade. Desse modo, significa a semelhança de casos, fatos ou coisas, cujos característicos se assemelham. E quando se trata de relações jurídicas, por esta semelhança e identidade, se mostram elas, por analogia, subordinadas a um princípio ou princípios atribuídos aos casos análogos, se a lei não lhes prescreveu regra própria.

Analogia. Quando se refere à interpretação da lei, ou do texto legal, se diz que é a interpretação extensiva ou indutiva dele, pela semelhança com outra lei ou texto.

É interpretação que foge à lógica restritiva e gramatical do dispositivo legal, e é promovida em face de outros dispositivos, que regulam casos idênticos ao da controvérsia. (…)

Sendo assim, quando, pelas omissões ocorridas, não existam prescrições positivas para regular certas relações jurídicas, recorre-se às disposições concernentes aos casos análogos e, com os princípios reguladores destes, decide-se a pendência (Introd. ao Código Civil, art. 7.º).” (DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, vol. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 119).

 

(4) Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

 

(5) Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

  • 1oSe a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
  • 2oAs sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
  • 3oA sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.

 

(6) STJ – 1ª Seção – EDcl no MS 13.041/DF – Rel. Min. José Delgado – DJe 16.06.2008; STJ – 1ª Seção – MS 13101/DF – Rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon – DJe 09.12.2008; STJ – 1ª Seção – MS 13964/DF – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJe 2505.2009; STJ – 2ª T. – AgRg no REsp 1.148.351/MG – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.03.2010.

 

(7) Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:

I – o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;

II – o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;

III – a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;

IV – o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;

V – a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;

VI – a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

VII – o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;

VIII – o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei;

IX – a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;

X – a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;

XI – a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;

XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;

XIII – a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65 desta Lei;

XIV – a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

XVI – a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;

XVII – a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

 

(8) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 9.ª ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 525.

 

 

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