Operadoras de Planos de Saúde Devem Ressarcir o SUS: Decisão do TRF-4 Reforça a Obrigação

No recente julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região de relatoria da Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, foi reafirmada a obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde de ressarcir o Sistema Único de Saúde (SUS) pelos serviços prestados aos seus beneficiários.

No recente julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região da Apelação nº 5035869-63.2019.4.04.7100/RS interposta pelo Centro Clínico Gaucho Ltda em face da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), datado de 06/11/2024, de relatoria da Desembargadora  Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, foi reafirmada a obrigatoriedade das operadoras de planos de saúde de ressarcir o Sistema Único de Saúde (SUS) pelos serviços prestados aos seus beneficiários.

O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, sob o comando dos sócios RODRIGO CASTOR DE MATTOS e ANALICE CASTOR DE MATTOS, faz questão de detalhar essa recente decisão para os interessados, já que diz respeito a tema tão importante a toda a sociedade. 

Enquanto o centro clínico defende que a cobrança efetuada pela ANS de várias AIH (Autorizações de Internação Hospitalar), a título de ressarcimento do Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do art. 32 da Lei nº 9.656/98, é indevida, por motivos de carência do beneficiário do referido plano, ausência de cobertura do serviço de saúde prestado, exclusão de beneficiário, cobertura parcial temporária e outros motivos de natureza técnica, a ANS alega a validade da cobrança do ressarcimento, considerando que a parte autora não teria comprovado a exclusão dos beneficiários, ou teria promovido o desligamento do beneficiário após o seu atendimento na rede pública, tampouco teria comprovado o preenchimento dos requisitos que validam a cobertura parcial temporária. Por fim, afirmou que casos de urgência e emergência podem ser atendidos fora da área geográfica de cobertura, nos termos da lei. Ratificou o posicionamento da agência adotado no processo administrativo em que processada a cobrança de cada AIH e alegou que eventual ordem de exibição dos prontuários médicos deverá ser dirigida ao Ministério da Saúde.

Em sua fundamentação, o TRF-4 considerou o seguinte para negar provimento ao recurso do centro clínico:

“O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário n.º 597.064/AC, submetido à sistemática de repercussão geral (tema n.º 345), assentou que “É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei 9.656/98, aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais financiados pelo SUS e realizados após 4/6/1998, assegurando o contraditório e a ampla defesa no âmbito administrativo em todos os períodos jurídicos”.

Com efeito, é legítima a cobrança de valores correspondentes aos custos de atendimentos médico-hospitalares prestados no âmbito do SUS a beneficiários de plano de saúde privado, desde que (1) sejam observados os parâmetros estabelecidos pela legislação de regência, e (2) o objeto do ressarcimento esteja previsto no contrato do plano de saúde.

As únicas causas impeditivas da exigência de ressarcimento ao erário – a serem demonstradas pela operadora, dada a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade de que se revestem os atos administrativos – são a não-cobertura pelo plano de saúde do serviço médico prestado pelo SUS, a realização do procedimento em período de carência e a prévia exclusão do beneficiário do plano.”

E conclui:

“Não fosse essa a interpretação do enunciado do artigo 32 da Lei n.º 9.656/1998, estar-se-ia admitindo que uma ou outra cláusula contratual constituísse óbice ao ressarcimento de valores ao Poder Público, quer por estabelecerem critérios de eleição (atendimentos realizados somente na rede credenciada, por médico credenciado, com autorização da operadora), quer por exigirem a adoção de alguma providência antecipada ao atendimento (como a apresentação prévia de certa documentação), o que contraria a norma legal.”

Para conhecimento, cumpre transcrever o artigo 32 da Lei nº 9.656/1998:

“Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.

  • 1º. O ressarcimento será efetuado pelas operadoras ao SUS com base em regra de valoração aprovada e divulgada pela ANS, mediante crédito ao Fundo Nacional de Saúde – FNS.
  • 2º. Para a efetivação do ressarcimento, a ANS disponibilizará às operadoras a discriminação dos procedimentos realizados para cada consumidor.
  • 3º. A operadora efetuará o ressarcimento até o 15º (décimo quinto) dia da data de recebimento da notificação de cobrança feita pela ANS.
  • 4º. O ressarcimento não efetuado no prazo previsto no § 3º será cobrado com os seguintes acréscimos:

I – juros de mora contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de um por cento ao mês ou fração;

II – multa de mora de dez por cento

  • 5º. Os valores não recolhidos no prazo previsto no § 3º serão inscritos em dívida ativa da ANS, a qual compete a cobrança judicial dos respectivos créditos.
  • 6º. O produto da arrecadação dos juros e da multa de mora serão revertidos ao Fundo Nacional de Saúde.
  • 7º. A ANS disciplinará o processo de glosa ou impugnação dos procedimentos encaminhados, conforme previsto no § 2º deste artigo, cabendo-lhe, inclusive, estabelecer procedimentos para cobrança dos valores a serem ressarcidos.
  • 8º. Os valores a serem ressarcidos não serão inferiores aos praticados pelo SUS e nem superiores aos praticados pelas operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1o desta Lei.
  • 9º. Os valores a que se referem os §§ 3º e 6º deste artigo não serão computados para fins de aplicação dos recursos mínimos nas ações e serviços públicos de saúde nos termos da Constituição Federal.”

Não fosse suficiente, no caso discutido nesse julgamento, o centro clínico não conseguiu comprovar que as AIH estavam revestidas das formalidades legais necessárias. Nas palavras da Desembargadora relatora:

“(…)

Assentadas essas premissas, infere-se da análise dos autos que o juízo de improcedencia do(s) pedido(s) está fundado na ausência de prova de que as AIHs n.ºs 4313105855927, 4313106621538, 4313106536563, 4313106479671, 4313107240189, 4313106509855, 4313102914835, 4313105589848, 4313500325266 e 4313107843121 não estão revestidas das formalidades legais.

Não obstante o autor tenha acostado aos autos documentos estranhos ao feito, o momento processual próprio para produzir esse tipo de prova é na instrução da petição inicial, a teor do artigo 434 c/c 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A juntada de documentos posteriormente só é admissível quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos (artigos 434 e 435 do CPC), o que não é o caso dos autos.

A inversão dessa ordem pode comprometer o exercício do direito de defesa da parte adversa, além de alongar demasiadamente a tramitação do feito, em contrariedade às celeridade e economia processual.

De se destacar, ainda, que a produção de provas visa à formação do juízo de convicção do magistrado, a quem caberá, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (artiho 370 do CPC).

Além disso, o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (artigo 355, inciso I, do CPC).

(…)”

Desta forma, a apelação teve seu provimento negado por unanimidade de votos, conforme ementa bem resume:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. LEI N.º 9.656/1998. RESSARCIMENTO DE VALORES PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. CAUSAS IMPEDITIVAS DA COBRANÇA. PRODUÇÃO DE PROVAS.

  1. A Lei n.º 9.656/1998 prevê, em seu artigo 32, o ressarcimento de valores ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela operadora de plano de saúde, na eventualidade de seus beneficiários optarem pelo atendimento prestado pelo Poder Público em determinadas situações. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário n.º 597.064/AC, submetido à sistemática de repercussão geral (tema n.º 345), assentou que “É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei 9.656/98, aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais financiados pelo SUS e realizados após 4/6/1998, assegurando o contraditório e a ampla defesa no âmbito administrativo em todos os períodos jurídicos”. Com efeito, é legítima a cobrança de valores correspondentes aos custos de atendimentos médico-hospitalares prestados no âmbito do SUS a beneficiários de plano de saúde privado, desde que (1) sejam observados os parâmetros estabelecidos pela legislação de regência, e (2) o objeto do ressarcimento esteja previsto no contrato do plano de saúde. 3. As causas impeditivas da exigência de ressarcimento ao erário – a serem demonstradas pela operadora, dada a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade de que se revestem os atos administrativos – são a não-cobertura pelo plano de saúde do serviço médico prestado pelo SUS, a realização do procedimento em período de carência e a prévia exclusão do beneficiário do plano. 4. Não obstante o autor tenha acostado aos autos documentos estranhos ao feito, o momento processual próprio para produzir esse tipo de prova é na instrução da petição inicial, a teor do artigo 434 c/c 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A juntada de documentos posteriormente só é admissível quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos (artigos 434 e 435 do CPC), o que não é o caso dos autos. A inversão dessa ordem pode comprometer o exercício do direito de defesa da parte adversa, além de alongar demasiadamente a tramitação do feito, em contrariedade às celeridade e economia processual. (TRF4, AC 5035869-63.2019.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 07/11/2024)

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Fonte: https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40004762266&versao_gproc=9&crc_gproc=50e04977&termosPesquisados=c2lzdGVtYSB1bmljbyBkZSBzYXVkZQ==   

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