A disputa entre o Grupo Ternium e a CSN já tem mais de uma década, e no início de dezembro de 2024, o STJ deu continuidade ao caso, que aparentemente está se finalizando, reduzindo o valor dos honorários sucumbenciais devidos pela Ternium, que ainda assim ficou em R$ 5 mi.
Contudo, muitos não compreendem exatamente do que se trata a discussão, e pensando nisso, resolvemos resumir o caso brevemente e trazer alguns apontamentos que entendemos relevantes.
Na origem, em primeiro grau, a COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL – CSN, CIMENTOS S.A., FLORESTAL NACIONAL S.A., DIPLIC – FUNDO DE INVESTIMENTO MULTIMERCADO CRÉDITO PRIVADO e BTG PACTUAL SERVIÇOS FINANCEIROS S.A. (ACIONISTAS MINORITÁRIOS) propuseram ação pelo rito ordinário contra CONFAB INDUSTRIAL SOCIEDADE ANÔNIMA, PROSID INVESTMENTS S. C. A., SIDERAR S. A. I. C. e TERNIUM INVESTMENTS SARL (GRUPO TERNIUM), alegando que que estes adquiriram ações que resultaram na alienação do controle da Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. (USIMINAS), mas deixaram de promover Oferta Púbica de Aquisição de ações para os minoritários com direito a voto, tal como previsto no art. 254-A da Lei nº 6.406/76 (Lei das Sociedade por ações).
O pedido foi julgado improcedente, e a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo somente para reduzir a verba honorária para R$ 5.000.000,00, mantendo-se a improcedência no mérito sob o argumento de que não tinha se configurado uma contraposição entre adquirente e alienante no caso, para fins de aplicação do artigo 254-A da Lei nº 6.404/76, pois o GRUPO TERNIUM teria comprado ações de quem não ostentava, individualmente, o pode de controle e, também, de acionista ainda vinculado ao bloco de controle da USIMINAS, não tendo passado a condição de detentor da maioria das ações com direito a voto.
No STJ, inicialmente o recurso especial interposto pelos sócios minoritários – RECURSO ESPECIAL Nº 1.837.538 – SP (2019/0042867-1) – teve sua admissibilidade negada, porém, seu agravo foi acolhido pelo Min. Relator Moura Ribeiro, restringindo-se a pretensão recursal no reconhecimento de (1) de nulidade da venda de ações da USIMINAS para o GRUPO TERNIUM, que acarretou a alteração do seu controle acionário, sem que fosse realizada Oferta Pública de Aquisição (OPA) para os demais acionistas; (2) da necessidade de dilação probatória para se comprovar a simulação; e (3) do excesso na fixação dos honorários sucumbenciais.
Após muitas discussões, em março de 2023, o entendimento final da Corte Superior, consignado no voto vencedor, de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, na questão de mérito, foi no sentido de negar provimento as recorrentes; veja-se trecho do voto vencedor abaixo:
“A transferência de ações realizada pelos integrantes do grupo controlador caracterizará alienação de controle se os acionistas alienantes cederem para o adquirente posição de PREPONDERÂNCIA no grupo. Afinal, o simples ingresso de terceiro no grupo controlador não corresponde à alienação do controle da companhia, que só se daria quando configurada a alienação do próprio controle acionário desta.
(…)
Diante desse cenário, só se pode concluir que o GRUPO TERNIUM, novo participante do grupo de controle, mesmo pagando um sobrepreço pelas ações da USIMINAS adquiridas do GRUPO VOTORANTIN/CAMARGO CORREIA, não assumiu, com a referida alienação, posição de total e completa preponderância na direção da companhia.
Não passou nem sequer a ocupar posição majoritária dentro do grupo de controle, visto que o GRUPO NIPPON, integrante original do bloco, manteve posição acionária de controle equivalente a 46,12%.
Além disso, o próprio GRUPO VOTORANTIN/CAMARGO CORREIA, nos termos do anterior acordo de acionistas, jamais exerceu isoladamente o controle da USIMINAS, sendo descabido falar, portanto, que a alienação de suas ações corresponderia à própria alienação do controle da USIMINAS.
Não bastasse tudo isso, o novo acordo de acionistas também não deu ao GRUPO TERNIUM posição de preponderância com relação aos demais integrantes do grupo de controle. Nele ficou avençado que as decisões relevantes, relativas a matérias tidas como estratégicas para a gestão da Usiminas, dependeriam da aprovação de noventa por cento das ações vinculadas em dito acordo (que naquela situação correspondia à unanimidade, visto que o percentual em questão só seria atingido com a anuência dos três integrantes do grupo) e que mesmo a indicação do Diretor Presidente da USIMINAS dependeria do consenso entre o GRUPO NIPPON e o GRUPO TERNIUM.
Assim sendo, com a vênia do e. Relator e daqueles que eventualmente entendam de modo distinto, tenho por insuficiente para configurar a alienação do controle da USIMINAS, o simples fato de ter ingressado um terceiro no grupo controlador desta. Especialmente, quando este terceiro, não detém a maioria acionária do grupo, não exerce papel de preponderância, e se submete a acordo de acionistas que deixa evidente a relação de paridade entre seus integrantes.
A eventual possibilidade do recorrido, enquanto integrante do grupo de controle, vir a eleger administradores e exercer influência na tomada de decisões da sociedade não são circunstâncias que permitem a esta Corte Superior afirmar, contrariando todas as conclusões de ambas as instâncias de cognição plena, configurada, no caso, a violação dos arts. 116 e 254-A da Lei nº 6.404/1976 e 167 do Código Civil.” [grifos nossos]
Ocorre que, em junho de 2023, devido a uma mudança de composição na turma que apreciou o caso – provocada pela morte do ministro Paulo de Tarso Sanseverino e pela declaração de impedimento de Marco Aurélio Bellizze, que havia votado no mérito – nos embargos de declaração opostos pela CSN e demais sócios minoritários, foram aplicados efeitos infringentes, com desfecho favorável à CSN que teve direito a indenização por perdas e danos, ante a impossibilidade de prestação de tutela específica.
Neste mesmo julgamento, foram decididos honorários advocatícios de 10% do valor do proveito econômico, ou seja, de aproximadamente R$ 500 milhões a serem pagos aos advogados da CSN, que é representada por diversos escritórios.
Tal julgado restou assim ementado:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SOCIEDADE ANÔNIMA. VENDA DE AÇÕES COM DIREITO A VOTO. INGRESSO DE NOVO ACIONISTA NO BLOCO DE CONTROLE. REALIZAÇÃO DE ACORDO ENTRE OS ACIONISTAS DESSE GRUPO PARA A GESTÃO DA COMPANHIA. ALIENAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO. ANÁLISE SOB O ENFOQUE SUBJETIVO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS.
- Pautada a tese recursal na alienação do controle da Companhia por ter sido alterado o Acordo de Acionistas integrantes do Bloco de Controle, pelo ingresso de terceiro até então estranho ao grupo, e a exclusão de antigos acionistas pela venda das suas ações, é omisso o julgamento que deixa de observar essa premissa, fundamentando a decisão apenas com relação ao número de ações.
- O art. 116 da Lei da S.A. define como acionista controlador o detentor, sozinho ou em grupo, permanente, da maioria dos votos na assembleia geral, com o poder de eleger os administradores e utiliza essa prerrogativa para o desenvolvimento das atividades da companhia. Assim, para ser considerado acionista controlador é necessário o preenchimento de requisitos objetivo e subjetivo, quais sejam, respectivamente, (1) ser, de forma permanente, majoritário na assembleia geral, conferindo-lhe direito de escolha da maioria dos administradores, e (2) usar seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
- Acionista controlador é uma circunstância fática, principalmente pela incumbência daquele que influencia e exerce o monitoramento da companhia, independentemente da quantidade de ações que titulariza.
- O controle da Sociedade Anônima depende do elemento subjetivo do acionista, com o propósito de dirigir a empresa.
- Com a aquisição das ações da Votorantim/Camargo Correia e da Caixa de Empregados da USIMINAS pelo GRUPO TERNIUM, até então estranho à Companhia, ele passou integrar, inclusive, o Bloco de Controle junto com a NIPPON, com poder de eleger a maioria dos administradores, além a ter efetiva influência na tomada de decisões sensíveis para o atingir os objetivos da USIMINAS.
- Desta forma, houve, de fato, a alienação do controle da USIMINAS, circunstância que já ensejava a realização da Oferta Pública de Aquisição (OPA), prevista no art. 254-A da Lei da S.A.
- Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes.”
[grifos nossos]
No início de dezembro de 2024, os honorários de sucumbência foram reduzidos, por unanimidade, para R$ 5.000.000,00, nos termos do voto do Min. Relator Moura Ribeiro.
Segundo noticiado pelo JOTA, em 06/12/2024:
“A siderúrgica ítalo-argentina Ternium e a Tenaris, ambas do Grupo Techint, afirmaram, em comunicados enviados ao mercado, que, com a nova decisão proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta semana, a indenização e os honorários advocatícios devidos à CSN caem de estimados R$ 5,5 bilhões para cerca de R$ 3,1 bilhões (R$ 1,9 bilhão a ser pago pela Ternium Investments, R$ 0,7 bilhão a ser pago pela Ternium Argentina, subsidiárias do Grupo Ternium envolvidas no processo, e R$ 0,5 bilhão a cargo da Tenaris).”
O jornal também destacou que paralelamente a este processo, “em setembro, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para questionar a interpretação do STJ sobre o artigo 254-A. A associação argumenta que a decisão sobre o tema, feita no caso da Ternium e CSN, é inconstitucional e “frontalmente divergente em relação àquela fixada pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários] no exercício de sua competência”. (ADI 7.714).
Como se pode observar, no que pese os louváveis esforços por parte da 3ª Turma do STJ na análise do tema, a discussão está longe de se esgotar. Em breve apresentaremos artigo sobre o andamento da ADI 7.714, mas uma lição que se extrai do caso analisado brevemente no post de hoje é que a análise e cognição dos julgadores sempre se pautará pelas provas carreadas nos autos, que neste caso, envolvem basicamente toda a documentação societária e empresarial das empresas envolvidas. É por conta disso que destacamos a importância do apoio jurídico desde a origem das tratativas negociais até a celebração de contratos e acordos, bem como durante a condução e execução do que foi acordado, pois apenas uma adequação as leis empresariais e societárias não é suficiente para conferir maior segurança aos clientes; em verdade, o que as empresas precisam é de um jurídico que alie visão estratégica com técnica, e isso se constrói com a experiência, constante atualização, inclusive jurisprudencial, e investimento em matérias e habilidades alheias ao direito. Isto ficou nítido no presente caso, em que o próprio fator tempo implicou na conversão da tutela requerida em indenização por perdas e danos, já que não fazia mais sentido insistir na OPA, já que o caso está em discussão há mais de uma década.
É fundamental que as empresas que atuam nesse setor ou em situações semelhantes busquem a orientação de especialistas em direito empresarial e societário, bem como que foquem na prevenção e não no tratamento de controvérsias.
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, com sua equipe altamente qualificada e a experiência de seus sócios Rodrigo Castor de Mattos e Analice Castor de Mattos, está à disposição para prestar consultoria e assessoria jurídica, oferecendo soluções seguras e eficazes para mitigar riscos e otimizar resultados no contexto de transações empresariais complexas como a narrada no artigo de hoje.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-dez-02/stj-volta-a-analisar-disputa-entre-grupo-ternium-e-csn/
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201900428671