Exploração De Apostas E Reflexos Criminais

Apostar não é crime, mas a exploração irregular pode ter repercussões criminais

No Brasil, apostar em si não é ilegal, tampouco configura crime, mas a exploração irregular da atividade de aposta, ou seja, sem autorização legal, além de infração administrativa também pode ter repercussões criminais.

É necessário entender que plataformas que não possuem autorização do governo brasileiro e exploram jogos de azar, aqueles sem base em evento real ou com manipulação, cometem contravenção penal, de acordo com o artigo 50 do Decreto-lei nº 3.688/1941, mas as bets não são jogos de azar; as bets são plataformas de apostas de quota fixa, ou seja, em que o apostador consegue, de forma prévia, saber quanto ganhará no caso de acerto, sendo normalmente de cunho esportivo, como futebol, basquete, lutas entre outras modalidades, totalmente legais, quando autorizadas pelo governo para operar.

Ocorre que, mesmo sendo autorizada pelo governo para explorar apostas, uma plataforma pode, durante a execução de suas atividades, incorrer em irregularidades com reflexos criminais ou ser vítima de ataques cibernéticos ou fraudes. Os crimes mais comentados são a lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998) e o estelionato ou fraude contra apostadores (artigo 171 do CP), porém, há outras formas de práticas criminosas acontecerem, inclusive quando não adotadas fielmente medidas técnicas e administrativas de segurança da informação, proteção de dados pessoais e compliance, como é o caso de invasão se dispositivo informático, crime previsto no artigo 154-A do Código Penal:

“Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

  • 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
  • 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.
  • 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

  • 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.

(…)”

Em 2024, a Serasa Experian realizou uma pesquisa com mais de 2 mil participantes, que revelou uma expressiva preocupação dos apostadores brasileiros em relação a proteção de suas identidades em sites de apostas esportivas (bets):

 

 

O levantamento informou que 13% dos apostadores afirmam que já sofreram golpes nas plataformas, e este número salta para 31% entre os que apostam diariamente. Entre quem já foi vítima, 65% tiveram perdas financeiras associadas – a maioria delas (81%) perdeu até R$ 1.000.

Por mais que iniciativas de segurança sejam reconhecidas pelos apostadores como importantes, quase metade dos apostadores que responderam a pesquisa (49%) ainda declarou não confiar totalmente que as casas de apostas implementam medidas de prevenção a fraudes, evidenciando que o setor precisa de investimentos sérios em tecnologia e conscientização:

 

 

Segundo o Serasa Experian, sobre a metodologia da pesquisa:

“A pesquisa quantitativa “Apostas Esportivas”, feita pela Serasa Experian foi realizada com 2.008 entrevistados, sendo que todos fizeram apostas esportivas em sites ou aplicativos nos últimos 12 meses. Com margem de erro de 2,2% e intervalo de confiança de 95%, a pesquisa foi aplicada via painel online entre os dias 09 e 22 de agosto de 2024. A amostra foi equilibrada entre os gêneros feminino e masculino, com idades de 18 a 27 anos (15%), 28 a 43 anos (49%), 44 a 59 anos (29%) e 60+ (7%).”

Um exemplo marcante foi o ataque cibernético sofrido pela Estrela Bet, uma das principais plataformas de apostas online no Brasil, que expôs, de forma pública, base de dados de 13 milhões de informações de registros de identificação, dados de contato e econômicos dos seus clientes, entre 2021e 2024, bem no dia em que pediu regularização no Brasil (05/08/2024).

A plataforma informou que as contas não foram acessadas, não houve manipulação de valores, saldos ou qualquer outro tipo de comprometimento nesse sentido, bem como adotou medida mais intensificadas de proteção e segurança da informação.

Há regulação com várias diretrizes para orientar os operadores de aposta a mitigar riscos, inclusive responsabilização criminal. O Delivar de Mattos & Castor (DMC) destaca que a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) por meio da PORTARIA SPA/MF nº 1.143, de 11 de julho de 2024, estabeleceu requisitos MÍNIMOS sobre políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa e de outros delitos correlatos a seres adotados pelas bets, dos quais destacamos o monitoramento periódico para aprimoramento e fortalecimento, não só para garantir conformidade com a regulamentação, mas para haver efetividade diante de uma situação prática.

Outra portaria que precisa necessariamente ser observada pelas bets é a PORTARIA SPA/MF nº 1.231, de 31 de julho de 2024, que traz regras e diretrizes sobre o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing.

Em relação as comunicações ao COAF, vale salientar o que deve ser objeto de especial atenção pelas plataformas de apostas, conforme consta na PORTARIA SPA/MF nº 1.143, de 11 de julho de 2024:

Art. 24. Os procedimentos de monitoramento, seleção e análise devem permitir a identificação das apostas e operações a elas associadas, devendo constar suas características, partes e demais envolvidos, valores, modalidade de aposta e forma de pagamento.

Parágrafo único. Devem ser objeto de especial atenção as apostas e operações a elas associadas que sinalizem:

I – falta de fundamento econômico ou legal;

II – incompatibilidade com práticas usuais da atividade ou de mercado; e

III – possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato.

Art. 25. Também devem resultar na análise com especial atenção as apostas e operações a elas associadas que envolvam:

I – pessoa envolvida ou suspeita de envolvimento em atividades tipificadas como crime de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro;

II – pessoa que tenha cometido ou tentado cometer, facilitar ou participar de práticas de terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa ou seu financiamento, conforme o disposto na Lei nº 13.260, de 2016, e na Lei nº 13.810, de 2019;

III – pessoa domiciliada em jurisdição considerada pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) como de alto risco ou com deficiências estratégicas em matéria de PLD/FTP ou em países ou dependências qualificados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) como de tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado;

IV – resistência do apostador ou usuário da plataforma em fornecer informações adicionais solicitadas pelo agente operador de apostas;

V – prestação de informações falsas ou de difícil verificação, notadamente para a formalização de cadastro, abertura de conta, registro de aposta ou outra operação na plataforma de apostas;

VI – aporte de valores sobre os quais recaia suspeita quanto à sua origem;

VII – pagamento de prêmio sobre o qual recaia suspeita de utilização para LD/FTP ou fraude;

VIII – pagamento de prêmio de aposta sobre o qual recaia suspeita de manipulação de resultados, nos termos do art. 177 da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte);

IX – incompatibilidade entre as operações realizadas por apostador e seu padrão habitual de atividades, suas informações ocupacionais ou sua aparente situação financeira;

X – movimentação atípica de valores de forma que possa sugerir o uso de ferramenta automatizada por parte do apostador;

XI – aporte ou retirada de valores, em um curto tempo, que possa sugerir fracionamento ou dissimulação de operação;

XII – retirada, ou tentativa de retirada, de recursos da conta transacional de apostador, logo após a realização de depósito, sem a efetivação de aposta;

XIII – utilização indevida de conta por outra pessoa que não seu titular;

XIV – indício da utilização de conta por intermediador que realize apostas para outras pessoas;

XV – aportes em quantidade que possa sugerir a prática de intermediação de apostas;

XVI – aposta na categoria bolsa de apostas (bet exchange) na qual haja indício de arranjo por dois ou mais apostadores em apostar em resultados diferentes, com a finalidade de realizar transferência de valores entre si, visando a prática de LD/FTP;

XVII – contas abertas em nome de pessoa exposta politicamente (PEP);

XVIII – dificuldade ou inviabilidade de coletar, verificar, validar ou atualizar informações cadastrais de apostadores ou usuários da plataforma; e

XIX – quaisquer características que sinalizem, notadamente por seu caráter não usual ou atípico, possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito correlato.

Art. 26. O procedimento de análise deve reunir os elementos com base nos quais se conclua pela configuração, ou não, de possível indício de práticas de LD/FTP ou outros delitos correlatos.

  • 1º A análise e a conclusão devem ser documentadas e seu registro deve se manter disponível para efeito de demonstração à Secretaria de Prêmios e Apostas, independentemente de terem resultado no encaminhamento de comunicação ao Coaf.
  • 2º O prazo para o encerramento do procedimento de análise é de 30 dias, contados da data da aposta ou da operação a ela associada.

No âmbito da SPA, a Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização é responsável por monitorar o cumprimento dos normativos relacionados à corrupção, lavagem de dinheiro e outros delitos, no âmbito das apostas esportivas, demais modalidades lotéricas definidas em lei, promoções comerciais e captação antecipada de poupança popular, bem como instaurar, instruir e analisar o processo administrativo sancionador para apuração de irregularidades e propor à Subsecretaria de Ação Sancionadora a aplicação de sanções administrativas ou o arquivamento do processo. Ela conta com 4 coordenações-gerais na realização de suas atividades:

– A Fiscalização de Apostas – CGFA é responsável pelo monitoramento e fiscalização das apostas de quota fixa e demais modalidades lotéricas.

– A Fiscalização de Promoções Comerciais – CGFP é responsável pelo monitoramento e fiscalização das promoções comerciais, em todas as suas modalidades.

– Sistemas – CGS cuida do desenvolvimento dos sistemas de controle das apostas de quota fixa (Sigap – Sistema de Gestão de Apostas) e de promoções comerciais (SCPC – Sistema de Controle das Promoções Comerciais).

– Monitoramento de Lavagem de Dinheiro e Outros Delitos – CGLD responde pelo combate à lavagem de dinheiro e outros crimes e pelo monitoramento da integridade das apostas esportivas.

Por fim, o DMC destaca que para evitar responsabilizações criminais, as plataformas de apostas também precisam investir fortemente em KYC (Conheça seu cliente) e due diligence de terceiros, desde fornecedores de softwares, processadores de pagamento, afiliados de marketing, fornecedores, parceiros.

Fontes:

Gráficos e dados apontados foram extraídos de “4 em cada dez apostadores têm forte preocupação com golpes de identidade em sites de apostas, indica Serasa Experian”, disponível em:  https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/prevencao-a-fraude/4-em-cada-dez-apostadores-tem-forte-preocupacao-com-golpes-de-identidade-em-sites-de-apostas-indica-serasa-experian/

https://www.baguete.com.br/noticias/estrela-bet-sofre-ataque-cibernetico

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/composicao/orgaos/secretaria-de-premios-e-apostas/subsecretaria-de-monitoramento-e-fiscalizacao

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