CARF Afasta Acusação de Interposição Fraudulenta: Decisão Reforça a Necessidade de Prova Inequívoca de Dolo

No atual cenário tributário e aduaneiro, é fundamental que as empresas estejam amparadas por uma defesa sólida e uma estratégia jurídica eficaz para proteger seus interesses e direitos.

A recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que afastou a acusação de interposição fraudulenta em uma operação de importação traz importantes reflexões sobre a necessidade de prova inequívoca de dolo em casos semelhantes. No atual cenário tributário e aduaneiro, é fundamental que as empresas estejam amparadas por uma defesa sólida e uma estratégia jurídica eficaz para proteger seus interesses e direitos.

Mais especificamente, em decisão unânime, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), pelo acórdão nº 3401-013.384, julgado na sessão de 24/07/2024, sob relatoria do Conselheiro Mateus Soares de Oliveira, afastou a acusação de interposição fraudulenta em uma operação de importação realizada por uma contribuinte. A decisão validou a operação, ressaltando a importância da comprovação da capacidade financeira e operacional da empresa, além de sua atuação legal em todas as etapas do processo.

No caso analisado, a contribuinte foi acusada de ocultar o verdadeiro encomendante de mercadorias importadas em 2013, sendo alegado que as empresas Apsa e Puig Brasil controlavam a operação, enquanto a Carvalho teria agido como interposta na importação pela Quimetal. No entanto, a defesa da Puig Brasil apresentou contratos e laudos que demonstraram a capacidade financeira e a essencialidade da empresa na cadeia produtiva, comprovando a legalidade das transações.

Acusação de Interposição Fraudulenta: A Importância da Prova de Dolo

O relator do caso destacou que, para configurar interposição fraudulenta ou simulação, é indispensável a demonstração clara de dolo, ou seja, a intenção deliberada de cometer fraude, o que não foi comprovado no presente processo. Com base nessa análise, o relator votou pelo cancelamento da multa aplicada, que correspondia ao valor aduaneiro das mercadorias envolvidas.

Didaticamente, o Conselheiro relator do caso, iniciou seu voto tecendo a distinção entre as modalidades de importação, esclarecendo que:

a) Das Modalidades de Importação.

Uma vez portador da licença para operar no comércio exterior o empresário pode

promover importações em três modalidades básicas.

A primeira é a direta, regulamentada pela IN da SRFB nº 680/2006. A segunda é a por conta e ordem de terceiros e a terceira é a modalidade por encomenda, encontrando-se as duas últimas regulamentadas atualmente pela IN da SRFB nº 2101/2022.

Operação direta não contempla maiores dúvidas, restando caracterizada pela compra de um produto de um fornecedor estrangeiro por ocasião da transposição e ingresso desta mercadoria em território nacional.

Em relação a operação por conta e ordem, o artigo 2º da referida IN estabelece que:

Art. 2º Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria de procedência estrangeira adquirida no exterior por outra pessoa, física ou jurídica. 

No tocante a operação de importação por encomenda, segue o artigo 3º: 

Art. 3º Considera-se operação de importação por encomenda aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome e com recursos próprios, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria de procedência estrangeira por ela adquirida no exterior para revenda a encomendante predeterminado. 

São várias as diferenças entre estas modalidades. Inclusive, a respeito deste tema, sugere-se a leitura do excelente Voto Vencedor proferido pela Conselheira Cynthia Elena Campos no Acórdão nº 3402-009.984.

Dentre as peculiaridades de cada modalidade e, relacionando-se com o presente caso, chama-se atenção ao fato de que na por conta e ordem os recursos utilizados são do próprio destinatário do produto, ao passo que na modalidade encomenda são do importador.”

Na sequência, o voto explica as diferenças entre a Interposição Fraudulenta de Terceiros Comprovada e a Presumida, bem como aborda as sanções:

“A interposição fraudenta de terceiros consiste na ocultação do real destinatário da mercadoria importada, cuja operação utiliza-se de uma empresa ‘interposta’ que figura entre o exportador e a chamada ‘empresa oculta’.

(…)

Ou a interposição fraudulenta ocorre na forma comprovada, ocasião em que a fiscalização demonstra de forma inequívoca que a operação da importação foi realizada para repassar a mercadoria para o real proprietário que tenha se utilizado da empresa interposta por motivos diversos, dentre os quais acima mencionados pelo Ilustre Conselheiro em julgado de interposição. Seu fundamento legal é o artigo 23, V do Decreto nº 1455/1976.

Mas em determinadas circunstâncias a fiscalização não detém de todos os elementos de prova necessários para enquadrar a operação na modalidade comprovada. Diante disto e, considerando vasto conjunto de indícios de irregularidades na importação, com fulcro no V, § 2º do artigo 23 do Dec. 1455/1976, a autoridade fiscal intima o contribuinte para apresentar prova da origem, disponibilidade e transferência do capital utilizado na operação de importação.

Veja-se a redação de cada dispositivo em comento:

COMPROVADA: V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

PRESUMIDA: § 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

O ônus da prova é invertido em ambas as modalidades. Na comprovada há necessidade de se demonstrar o DOLO. E esse ônus é do FISCO. Não há como praticar a FRAUDE ou a SIMULAÇÃO sem a respectiva intenção. Por isso a exigência desta prova. Sem ela o Auto de Infração deve ser cancelado.”

O relator esclareceu que na modalidade PRESUMIDA, o ônus da prova é invertido. Isto é, intima-se o contribuinte para que demonstre a origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos, não sendo necessário comprovar a real intenção do contribuinte em fraudar, sendo suficiente a ausência de demonstração efetiva dos pressupostos mencionados.

Sobre as sanções, foi consignado que a sanção básica para os casos de interposição seria o perdimento, nos termos do inciso V, §1º do artigo 23 do Decreto nº 1455/1976, que é a penalidade mais gravosa do ordenamento jurídico nacional. Justamente por essa característica, o Conselheiro Mateus Soares de Oliveira advertiu que a aplicação dela deve ser realizada com cautela.

Ele complementa que, nos casos em que a mercadoria não é encontrada pelo fato de ter sido revendida ou consumida, deve-se converter o perdimento em multa no percentual de 100% do valor aduaneiro do produto, conforme previsão legal do artigo 23, §3º, inciso V, do decreto retromencionado e do artigo 689, §1º do Regulamento Aduaneiro.

Já em relação ao importador ostensivo, responsável pela cessão do nome, a penalidade aplicável seria a sanção pecuniária disposta no artigo 33 da Lei nº 11.488/2007, também prevista no artigo 727 do Regulamento Aduaneiro, que seria a multa de 10% do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00.

Neste tópico, o relator do caso finaliza sua análise destacando como o artigo 81, §1º e 2º da Lei nº 9430/1996 é importante por oferecer os parâmetros necessários a serem seguidos para se comprovar origem de recursos por parte do contribuinte:

“Neste aspecto, é importante colacionar e refletir acerca da redação do artigo 81 da Lei nº 9430/1996, especificamente §§ 1º e 2ª. Art. 81 da Lei nº 9.430/1996:

  • 1º Será também declarada inapta a inscrição da pessoa jurídica que não comprove a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior.
  • 2º Para fins do disposto no § 1o, a comprovação da origem de recursos provenientes do exterior dar-se-á mediante, cumulativamente:

I – prova do regular fechamento da operação de câmbio, inclusive com a identificação da instituição financeira no exterior encarregada da remessa dos recursos para o País;

II – identificação do remetente dos recursos, assim entendido como a pessoa física ou jurídica titular dos recursos remetidos.

  • 3º No caso de o remetente referido no inciso II do § 2o ser pessoa jurídica deverão ser também identificados os integrantes de seus quadros societário e gerencial.

A abordagem deste dispositivo é importantíssima por vários motivos. A começar porque é citado no artigo 33 da Lei nº 11.488/2007, de onde se extrai que a multa de 10% do importador ostensivo não é aplicável quando o importador não demonstrar origem, disponibilidade e efetiva transferência dos recursos aplicados na operação de comércio exterior.

Em segundo pois os incisos I e II do parágrafo segundo estabelecem, com redação cristalina, os parâmetros a serem seguidos para se comprovar origem de recursos por parte do contribuinte.”

Encaminhando-se para o caso concreto, o Conselheiro escorreitamente considerou o cenário atual em que o comércio internacional se encontra, ou seja, totalmente dinâmico, reconhecendo que, contrariamente, a legislação pátria sobre essa matéria não caminhou no mesmo ritmo, havendo, pelo menos, no âmbito infralegal, algumas tentativas de atualização, citando o exemplo da Solução de Consulta nº 158/2021, da SRFB, que trata da figura do “encomendante do encomendante”.

Basicamente, esta Solução de Consulta aborda a situação em que o importador faz a operação de importação por encomenda, tendo prévia negociação para com o comprador.

Destaca-se o seguinte trecho da ementa da referida Solução de Consulta:

“Assunto: Imposto sobre a Importação – IIIMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA. DISPENSABILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO ENCOMENDANTE DO ENCOMENDANTE PREDETERMINADO. INFRAÇÕES POR FRAUDE, SIMULAÇÃO OU INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. PRAZO DE ESTOQUE.A importação por encomenda envolve, usualmente, apenas dois agentes econômicos, ou seja, o importador por encomenda e o encomendante predeterminado, que são, respectivamente, o contribuinte e o responsável solidário pelos tributos incidentes. A presença de um terceiro envolvido – o encomendante do encomendante predeterminado – não é vedada pela legislação, não descaracteriza a operação de importação por encomenda, e, portanto, não é obrigatória sua informação na Declaração de Importação, desde que as relações estabelecidas entre os envolvidos na importação indireta representem transações efetivas de compra e venda de mercadorias.

A ocorrência de relações comerciais autênticas com terceiros, nos casos de importação por encomenda, por si só, não caracteriza ocultação do real comprador mediante fraude, simulação ou interposição fraudulenta, de que trata o inciso V, do art. 23 do Decreto-Lei (DL) nº1.455, de 1976, ou acobertamento de reais intervenientes ou beneficiários, de que trata o art. 33 da lei nº11.488, de 2007, desde que as relações estabelecidas entre todas as partes sejam legítimas, com comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos utilizados, observado o disposto no § 2ºdo art. 23 do DL nº1.455, de 1976.

A simples vinculação societária entre empresas nacionais envolvidas em operação

legítima de importação por encomenda não se confunde com a figura da infração de ocultação do sujeito passivo mediante fraude, simulação ou interposição fraudulenta, de que trata o inciso V, do art. 23 do DL nº1.455, de 1976.

A legislação aduaneira de regência não estabelece prazo mínimo para permanência

de mercadoria importada em estoque, seja por parte do importador ou por parte do encomendante predeterminado. O curto tempo de permanência de mercadoria em estoque não tem o condão de, isoladamente, descaracterizar modalidade de importação indireta por encomenda, de que trata o art. 11 da Lei nº11.281, de 2006.

(…)”

Ante tais pressupostos e considerando as provas apresentadas no processo, o relator do caso entendeu que inexistiam provas nos autos capazes de comprovar ocultação. Em verdade, era justamente o contrário. O relator afirma que as movimentações financeiras refletem justamente operações reais e que no formato de negócios entre o atacadista e distribuidor e o varejista é impossível não haver negociações prévias. Nas palavras do Conselheiro: “Neste cenário uma mercadoria não pode ficar parada. Ela tem que se movimentar, obviamente, em curso espaço de tempo, do atacadista para o varejista. Se assim não for a operação resulta em prejuízo comercial.

Não se esqueça que atualmente as plataformas online representam significativa fonte de rendimentos dessas empresas. E o mínimo que se deve ter em mente neste contexto é agilidade de transferência de recursos, negociações e logística de distribuição e entrega.”

O Conselheiro também fez um apontamento importante sobre as provas consideras pelo Fisco:

“Todos os elementos supostamente probatórios dos autos reforçam justamente o contrário do que foi alegado pela fiscalização. E mais. Com a devida vênia, grande parte do Relatório Fiscal é pautado em planilhas. Não se olvide que esses documentos foram elaborados com base nas informações prestadas pelos contribuintes envolvidos.

Todavia o enquadramento legal previsto no artigo 23, V do Dec. 1455/1976 exige muito mais. Pressupõe, primeiramente, prova do DOLO. Ninguém simula ou pratica uma fraude sem intenção. E nem de longe essa prova consta nos autos. Segundo: restou mais do que evidente, pela própria fiscalização, que todas as partes envolvidas são detentoras de capacidade econômica e com vasto lastro contábil. Terceiro: as empresas sempre atenderam as intimações fiscais.

Eventualmente, caberia ao FISCO promover a discussão sobre existência ou não da

interposição na modalidade presumida, prevista no § 2º do V do Dec. 1455/1976. Isso não significa que teria êxito. Até mesmo porque as provas dos autos refletem cristalina capacidade e disponibilidade financeira do contribuinte.”

Com base em fundamentos tão fortes e atentamente coadunados com a realidade do dinamismo que o comércio internacional requer, sobretudo devido ao avanço tecnológico e sua extensão para tratativas e modelos de negócios que se dão cada vez mais no espaço virtual, por unanimidade, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, deu provimento ao recurso voluntário do contribuinte, para cancelar o lançamento da multa decorrente do Auto de Infração.

O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS especializado em casos de alta complexidade no direito tributário e aduaneiro, considera que o posicionamento do CARF foi acertado e constitui um marco importante para a proteção dos direitos das empresas que atuam de forma transparente e regular em suas operações. A exigência de prova inequívoca de dolo para caracterizar interposição fraudulenta fortalece a segurança jurídica no setor de importações, garantindo que as acusações infundadas sejam devidamente afastadas.

Essa decisão reafirma a importância de uma defesa bem estruturada e fundamentada, destacando a necessidade de documentações claras e robustas que comprovem a legalidade das operações empresariais. O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, sempre com a participação direta de seus sócios, RODRIGO CASTOR DE MATTOS e ANALICE CASTOR DE MATTOS, mantém-se à disposição para auxiliar empresas na condução de seus processos, oferecendo expertise e soluções jurídicas estratégicas para garantir o pleno cumprimento das normas fiscais e aduaneiras.

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Fonte: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=120715

https://www.jota.info/tributos/carf-afasta-acusacao-de-interposicao-fraudulenta

 

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