As discussões sobre o prazo de início para cobrança do DIFAL (Diferencial de Alíquota de ICMS), se em 2022 ou em 2023, estão calorosas.
Nos tribunais estaduais há diferentes entendimentos.
No TJSP, por exemplo, tivemos dois posicionamentos opostos no julgamento de dois mandados de segurança. No processo n. 1000409-28.2022.8.26.0053, o pedido liminar foi indeferido com base no seguinte argumento:
“Contudo, a cobrança de DIFAL, Diferencial de Alíquota de ICMS, não se trata de criação de imposto novo ou majoração de imposto existente, já que a Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, ao alterar a Lei Complementar nº 87, de 13 de dezembro (Lei Kandir), apenas disciplinou a distribuição dos recursos apurados no ICMS quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados da Federação distintos, que cobram alíquotas distintas de ICMS.
Portanto, não se trata de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, justamente por não se referir à criação de imposto novo ou majoração de um imposto existente.”
Já no processo n. 1000415-35.2022.8.26.0053, a liminar foi deferida com base no princípio da anterioridade nonagesimal, para “determinar a suspensão da exigibilidade do DIFAL/ICMS exigido pelo Estado de São Paulo, com os efeitos decorrentes, entrementes a emissão da certidão de regularidade fiscal (Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa – CPD/EN); assim como afastar qualquer sanção, penalidade, restrição ou limitação de direitos em razão do não recolhimento do DIFAL, tais como, exemplificativamente, o impedimento do trânsito de mercadorias ou a sua apreensão pela fiscalização (“barreira fiscal”), o cancelamento de inscrição estadual, o cancelamento de regimes especiais, a inscrição dos débitos em CADIN, o protesto dos débitos em cartórios, o registro dos débitos em cadastros de devedores (ex: Serasa, SPC), o impedimento à expedição de certidão positiva de débitos com efeitos de negativa (art. 206 do CTN), a inscrição dos débitos em Dívida Ativa, e a cobrança dos débitos em juízo (Execução Fiscal).”
No âmbito do TJDFT, a 7ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal suspendeu, em liminar, a cobrança do Diferencial de Alíquota (Difal) do ICMS em 2022 a uma indústria química. Interessante observarmos a conclusão do julgado:
“É que o ICMS se submete simultaneamente aos princípios da anterioridade anual e
nonagesimal (artigo 150, III, “b” e “c”, da Constituição, respectivamente), os quais
estabelecem que lei que implique nova cobrança ou majoração do imposto somente pode
produzir efeitos no ano seguinte e após o decurso de 90 dias, tendo como referência a sua
publicação.
Em termos práticos, considerando que a publicação da lei complementar ocorreu já no ano de 2022, entende-se que a exigência pelos Estados e Distrito Federal do DIFAL nas
operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes somente será válida a partir de janeiro de 2023.”
Mas não é só.
O assunto tem gerado tantas dúvidas entre contribuintes, juristas, empresários e autoridades governamentais, que já foram ajuizadas duas ADI`s (Ação Direta de Inconstitucionalidade) perante o Supremo Tribunal Federal.
Agora, em 21 de janeiro de 2022, foi protocolada a ADI n. 7.070 pelo Governador do Estado de Alagoas, com pedido de medida cautelar, buscando a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 4 do art. 24-A da Lei Complementar 87/96 e da expressão “observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal” inserta no art. 3º da Lei Complementar n. 190/2022, que instituiu o DIFAL.
Basicamente, o que se alega nesta ADI é que o os Estados e os próprios contribuintes já possuem sistemas e procedimentos fiscais que permitem a continuidade do recolhimento do DIFAL, estando a nova norma federal a limitar o exercício da competência tributária dos Estados, violando o federalismo, pois “A redação constitucional introduzida pela EC 87/2015 e regulada pelo Convênio CONFAZ 93/2015 e, posteriormente, pela LC 190/2022, portanto, NÃO criou um novo tributo ou, tampouco, o majorou.”
Neste ponto, necessário esclarecer por que o Governador do Estado de Alagoas invoca este argumento na ADI 7.070.
O STF, em 2021, no julgamento da ADI n. 5.469/DF e RE 1.287.019/DF (Tema 1093 em repercussão geral), declarou a inconstitucionalidade formal de diversos dispositivos legais do Convênio 93/2015, estabelecendo que a disciplina do DIFAL deveria se dar por meio de lei complementar.
Por modulação de efeitos, os contribuintes permaneceram obrigados ao recolhimento do DIFAL até dezembro de 2021, exceto aqueles que já tinham entrado com ações judiciais.
A Lei Complementar 190/2022 foi publicada, então, em 05 de janeiro de 2022 para regulamentar a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.
Em seu artigo 3º, a LC 190/2022 prevê que:
“Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.”
Por sua vez, o artigo 150, inciso III, alínea “c” da Constituição diz o seguinte:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
A alínea “c” trata do princípio da anterioridade nonagesimal e faz remissão à alínea “b”, que trata da anterioridade anual.
Simplificando, quando um tributo é instituído ou majorado, o prazo inicial para sua cobrança deverá respeitar estes dois princípios.
Havia expectativas de que a Lei Complementar 190/2022 seria publicada até o final de 2021, o que permitiria a cobrança do DIFAL a partir de 2022, com base na anterioridade nonagesimal, porém, a publicação da referida lei só ocorreu, como já colocado, em janeiro de 2022, razão pela qual, com base no artigo 3º da própria lei e no artigo 150, III, alíneas “b” e “c”, o DIFAL somente deverá ser cobrado a partir de 2023.
É por isso que na ADI n. 7.070 busca-se defender que o DIFAL não foi instituído ou majorado pela LC 190/2022, pois, assim, não se aplicariam os princípios da anterioridade nonagesimal e anual, possibilitando a exigibilidade do DIFAL já em 2022.
Contudo, antes do protocolo da ADI n. 7.070, foi protocolada perante o STF a ADI n. 7.066, pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – ABIMAQ, também com pedido liminar, buscando suspender a eficácia e conferir interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 3º da Lei Complementar n. 190/2022.
Ao contrário da ADI n. 7.070, a ADI n. 7.066 defende que a LC n. 190/2022 “criou uma nova relação jurídica, definiu os contribuintes, estabeleceu a forma escritural e operacional das regras de imposto; fixou estabelecimento responsável pelo recolhimento do tributo tendo por base o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; fixa a base de cálculo de modo que o montante do imposto a integre, entre outras.”
Ou seja, o artigo 3º da LC n. 190/2022 deve ser interpretado no sentido de que há de se aplicar o princípio da anterioridade geral (anual) para que a cobrança do DIFAL somente tenha início a partir de 2023.
As ADI`s são importantíssimas para a resolução da controvérsia, pois, quando julgadas, produzem efeitos erga omnes, ou seja, a decisão delas passa a ser vinculante, valendo para todos os tribunais do Poder Judiciário, bem como recai sobre toda a administração pública.
Como bem colocado pela ADI n. 7.066, essa divergência de entendimentos precisa ter um fim, pois cria um risco desnecessário para as empresas e sobrecarrega o judiciário de processos em cada unidade da federação. Como no exemplo lançado na mencionada ação, imagine o dispêndio de tempo, energia e dinheiro para as empresas que operem em vários estados e que terão que ajuizar ação em cada um desses estados buscando a tutela jurisdicional para suspensão da exigibilidade do DIFAL e efeitos decorrentes.
Infelizmente, a expectativa é de que os Fiscos estaduais desrespeitem os princípios da anterioridade e comecem a cobrança da DIFAL antecipadamente.
Para esta situação, a recomendação é discutir a cobrança indevida perante o Poder Judiciário, mediante mandado de segurança, para buscar a suspensão da exigibilidade da DIFAL/ICMS, com os efeitos decorrentes, sendo igualmente recomendável fazer o depósito judicial do crédito como garantia da suspensão da exigibilidade, tendo em vista o tema não estar pacificado nos tribunais.