Por Luiz Felipe Rheinheimer, advogado do escritório Delivar de Mattos & Castor
O direito à moradia, no plano internacional, encontrava previsão expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, sendo incorporado expressamente no rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da nossa Constituição Federal pela Emenda nº 26, somente no ano de 2000.
Apesar do recente status constitucional, de maneira expressa, da interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana já era possível se extrair tal direito, uma vez que não se concebe a concretização desse princípio sem as condições mínimas de habitação.
Importante observar que o direito fundamental à moradia merece tutela e efetivação seja sob o aspecto positivo, em que o Estado é incumbido de propiciar aos indivíduos estruturas hábeis à efetivação de tais direitos, mediante adequadas políticas públicas, seja sob o prisma negativo, que implica no direito de defesa do direito à moradia, exercitável pelo cidadão contra o Estado e particulares.
Enquanto garantia fundamental dos cidadãos, tem como característica, além da universalidade, inalienabilidade, indisponibilidade, e aplicabilidade imediata, a vinculação dos Poderes Públicos.
O Poder Judiciário, submetido aos direitos fundamentais, detém a incumbência de controle dos atos dos demais Poderes, seja aplicando tais direitos com a máxima efetividade e observada a força normativa da Constituição, seja abstendo-se de aplicar dispositivos conflitantes com este sistema de direitos.
Nesse prisma, não se desconhece que a Lei nº 8.009/90, no art. 3º, inciso VI, na contramão da ressocialização penal, exclui da impenhorabilidade o imóvel residencial próprio do cidadão “para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”, e que, com base neste dispositivo, a constrição sobre o bem de família é comumente aplicada durante o processo penal, sem qualquer comprovação de que seja fruto de ilícitos.
Contudo, além de não haver sentido na constrição provisória de bem impenhorável, o direito fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal, possui força normativa e aplicabilidade imediata (art. 5º, § 2º, CF), sendo dotado de máxima efetividade.
Logo, a Lei Federal acima posta deve ser interpretada à luz da Constituição Federal, devendo para sua aplicação a explicitação dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da moradia, além dos demais conteúdos lá expressos.
Portanto, nessa ordem de ideias, evidente que o inciso VI do artigo 3º da Lei nº 8.009/90 merece uma rigorosa filtragem constitucional, pois, ao permitir que a única residência de uma família seja submetida a atos de expropriação pelo Estado, retira-lhes a habitação e, assim, condições mínimas de dignidade e subsistência, conflita com o direito fundamental à moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal, incluído expressamente no texto constitucional pela Emenda nº 26 de 2000, após, portanto, a edição da lei que trata do bem de família.
O direito à moradia, atributo inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana, não pode ser menosprezado a ponto de se negar o direito ao mínimo existencial necessário, sob pena de se negar vigência à garantia fundamental para aplicação gramatical de dispositivo infraconstitucional, objetivando resguardar o adimplemento de eventual pena de multa e ressarcimento ao erário, fixados provisoriamente em processo criminal.