O testamento é uma forma de expressão da vontade que a pessoa faz em vida para ser cumprida após a sua morte. A legislação brasileira estabelece regras para a validade e eficácia deste documento. Ainda assim, é comum escutarmos alguns equívocos sobre o assunto, talvez, muito por conta dos filmes, seriados e novelas que ou estão baseados em leis diferentes, estrangeiras, ou, com licença poética, acabam por inventar normas, ou, então, ignorar parte ou totalmente o que a legislação brasileira dispõe.
Uma das primeiras coisas que você precisa saber, então, é que existe mais de um tipo de testamento. Em linhas gerais, o g1, ao abordar o tema em matéria que falava sobre o testamento de Gugu Liberato, trouxe uma boa sintetização das modalidades:

Inclusive, falando ainda desta matéria, veiculada em junho de 2023 pelo g1, importante reproduzir os dados revelados em relação ao aumento no número de testamento no Brasil durante e após a Pandemia de COVID-19:
“O número de testamentos cresceu em todo o Brasil durante a pandemia. Entre 2012 e 2022, os registros no país passaram de 38.566 em 2012 para 52.275 em 2021, um aumento de 35,5%. Considerando apenas o estado de São Paulo, os documentos eram 7.518 em 2012 e foram para 10.977 em 2021, um incremento de 46% (veja mais abaixo).
Os números fazem parte de um levantamento exclusivo realizado pelo Colégio Notarial do Brasil para o g1. Somente neste ano, até o dia 13 de junho, mais de 16 mil testamentos foram registrados no Brasil, sendo 1.858 em São Paulo.
Este movimento está vinculado à maneira como a morte passou a ser encarada após a Covid-19, acredita Eduardo Calais, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil.
“É um ato feito em vida que produz efeitos após a morte. Na pandemia, a morte bateu na porta, e passamos a enfrentar o assunto de uma maneira mais objetiva”, disse. Muitos testamentos, por exemplo, passaram a incluir instituições beneficentes entre os herdeiros.
Desde maio de 2020, testamentos começaram a ser feitos 100% online, por videoconferência. Em 2022, serviços de testamento, inventário e partilha alcançaram número recorde nos cartórios do Brasil.”
No que pese o aumento incontestável na quantidade de testamentos sendo realizados no Brasil nos últimos anos, fato é, que se compararmos tal quantitativo com o número de mortes, por ano, ainda mais no cenário da Pandemia, fica escancarado que o brasileiro não tem o hábito de testar; talvez por falta de conhecimento, dificuldade de acesso à informação, por acreditar que apenas bens patrimoniais podem ser testados, ou pelo fato de que falar em morte ainda é um tabu no Brasil ou tudo isso junto.
Considerando essas possibilidades, o escritório DELIVAR DE MATTOS E CASTOR, traz o presente post para apresentar recente decisão do STJ, tomada no início de 2025, que esclarece alguns pontos sobre o testamento cerrado ou privado.
O primeiro ponto que chama atenção é o tempo de tramitação do processo apreciado pelo STJ. Na origem, irmãs e sobrinhos ajuizaram ação de nulidade do testamento, pois não foram contemplados nele. Veja-se que a ação foi ajuizada em 2009 e só agora, em 2025, o caso foi julgado pelo STJ. Ou seja, infelizmente, este também é um ponto que precisa ser considerado quando se pretende ajuizar uma demanda.
Parênteses. Cada caso é um caso, mas é indiscutível que o Poder Judiciário ainda não consegue decidir os casos respeitando o princípio da razoável duração do processo satisfatoriamente, sendo exceção os casos julgados com celeridade.
Um segundo ponto importante é esclarecer que, sim, é possível deixar em testamento bens para os sobrinhos e irmãos, já que são herdeiros colaterais, pela lei, ou seja, não são necessários. Por outro lado, também é possível excluí-los do testamento, ou seja, não deixar nada para eles, pois o testamento é um ato de livre expressão da vontade do testador.
Pois bem. Retornando ao caso em pauta, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do TJGO, no RESP 2142132 – GO (2024/0158080-5), que havia reformado sentença, anulando testamento, concluindo pela incapacidade da testadora e vício extrínseco em sua lavratura. A Corte Cidadã adotou posicionamento compatível com o juízo de primeira instância que havia julgado improcedente o pedido de nulidade de testamento ajuizado por sobrinhos e irmãs da testadora, por não identificar elementos robustos nos autos que comprovassem a incapacidade da testadora, bem como aplicando a teoria das aparências, para validar o fato de uma tabeliã substituta ter dado fé pública ao testamento cerrado.
No que pese os familiares (chamados de herdeiros colaterais) afirmarem que a testadora possuía comportamento incondizentes e que esta havia elaborado seis testamentos prévios ao último, o ministro relator do caso, Antonio Carlos Ferreira, verificou que a testadora não havia sido interditada judicialmente. Além disso, o sexto e último testamento foi na modalidade cerrada, firmado em 2005, na presença de duas testemunhas, tendo a testadora falecido quatro anos depois, sem modificar o teor do documento. Ainda, o relator salientou que o contador e o médico particular da falecida atestaram a sua capacidade mental, o que não havia sido considerado pelo tribunal goiano.
Nas palavras do ministro:
“Presumir a incapacidade não apenas contraria o que estabelece o Código Civil, mas também cria um cenário de insegurança jurídica, no qual a vontade do testador pode ser desconsiderada sem evidências robustas que sustentem uma decisão com tão grave repercussão.”
Foi destacado também que não foi apresentado no processo uma única prova capas de demonstrar de forma convincente a incapacidade cognitiva da testadora no momento da lavratura do testamento cerrado.
De acordo com o ministro, o Código Civil prevê a presunção de capacidade para testar (artigos 1º e 1.860), ou seja, “todo indivíduo com plena capacidade civil é considerado apto a dispor de seus bens por meio de testamento”. Tal presunção, afirmou, vincula-se ao princípio da autonomia da vontade, que assegura ao testador o direito de deliberar sobre a destinação de seu patrimônio.
Outro ponto importante levantado pelo julgador, é de que a capacidade do testador deve ser aferida no momento que o ato é praticado, independentemente de eventuais mudanças na sua condição mental, nos termos do artigo 1.861 do CC.
Quanto ao fato de uma tabeliã substituta ter validado o testamento, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que, diferentemente do que configura um testamento público, do qual tem o dever de ser direcionado pelo notário e atende a quesitos técnicos mais rigorosos, o testamento de modalidade cerrada é formulado previamente à sua entrega ao tabelião responsável, do qual possui como único dever verificar as formalidades extrínsecas do documento a ser tratado. Tal prática valida que as requisições atreladas ao testamento possuem o cunho da livre vontade manifestada do testador, confirmando que o testamento atende aos seus entendimentos e escolhas. O relator, então, realça que, “O tabelião recebe o testamento pronto e se dedica a assegurar que as formalidades necessárias foram cumpridas, como a identificação de quem testa, a presença de testemunhas e o correto fechamento do documento, sem interferência nenhuma em seu conteúdo”.
Seguidamente, o ministro explica que a servidora do cartório, que lavrou o testamento de identificou como uma tabeliã substituta, alegando a boa-fé da viúva e das testemunhas presentes no momento da elaboração do testamento, que acreditaram e confiaram que a servidora estava de fato instituída na função de tabeliã.
Desta forma, o relator concluiu pela prevalência da aplicação da teoria da aparência, que consiste, de forma bastante resumida, em respeitar a confiança depositada nas aparências, principalmente em casos escassos de provas de irregularidade que possuiriam o potencial de influenciar na maneira de agir das partes.
O escritório DELIVAR DE MATTOS & CASTOR ADVOGADOS, liderado pelos sócios RODRIGO CASTOR DE MATTOS e ANALICE CASTOR DE MATTOS, atua há mais de 25 anos no ramo do Direito Civil, entre outros ramos do Direito, e conhece os desafios e complexidades que os direitos e deveres que gravitam ao redor do evento de um falecimento apresentam. É por isso que o DELIVAR DE MATTOS & CASTOR investe em uma equipe multidisciplinar, buscando aliar sempre a tradição com a inovação, para oferecer a seus clientes soluções eficazes, o que nem sempre significa judicializar demandas, como é o caso do planejamento sucessório e das diretivas antecipadas da vontade, que focam na prevenção/mitigação de riscos, com total respeito a autonomia da vontade do interessado e de sua dignidade, permitindo que, lá na frente, quando da ocorrência do evento morte, o luto seja enfrentado pelos familiares da forma como deveria ser, sem terem que focar em questões burocráticas e legais desnecessárias.
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