Limitação territorial para Exploração de Loterias e Jogos Eletrônicos: Entenda a Decisão do STF
A recente decisão (02/01/2025) proferida pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Cível Originária (ACO) nº 3.696/RJ, reafirmou que a competência para exploração de serviços lotéricos no âmbito nacional é exclusiva da União, limitando a atuação dos estados a seus territórios.
No centro da polêmica está a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), que teve suas atividades de apostas online restringidas após o entendimento de que ultrapassaram os limites territoriais estaduais. Este artigo analisa os fundamentos jurídicos da decisão, suas implicações práticas e como ela impacta a regulamentação do setor lotérico no Brasil.
A decisão impede que a Loterj explore atividades de loteria e jogos eletrônicos fora do território fluminense, bem como credenciar empresas para atuar em outras localidades. A decisão foi motivada por um pedido do governo federal contra os termos de um edital do estado do Rio de Janeiro, que permitia a operação de apostas online (apostas) sem restrição geográfica.
Originalmente, o edital da Loterj previa o uso de mecanismos de geolocalização para restringir as apostas no território do Rio de Janeiro. No entanto, uma alteração posterior no documento excluiu essa exigência, dispensando a adoção de sistema de geolocalização de apostas, “bets”, permitindo, na prática, que as apostas ultrapassassem os limites estaduais, o que, segundo a União, tornaria vulnerável o disposto no artigo 35-A da Lei nº 13.756/2018, com a redação dada pela Lei nº 14.790/2023, que prevê o seguinte:
“Art. 35-A. Os Estados e o Distrito Federal são autorizados a explorar, no âmbito de seus territórios, apenas as modalidades lotéricas previstas na legislação federal.
- 1º A exploração de loterias pelos Estados e pelo Distrito Federal poderá ser efetuada mediante concessão, permissão ou autorização ou diretamente, conforme regulamentação própria, observada a legislação federal.
- 2º Ao mesmo grupo econômico ou pessoa jurídica será permitida apenas 1 (uma) única concessão e em apenas 1 (um) Estado ou no Distrito Federal.
- 3º Em caso de exploração pelos Estados e pelo Distrito Federal de modalidade lotérica semelhante à prevista no art. 2º do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, é vedado o uso da expressão “Loteria Federal”.
- 4º A comercialização e a publicidade de loteria pelos Estados ou pelo Distrito Federal realizadas em meio físico, eletrônico ou virtual serão restritas às pessoas fisicamente localizadas nos limites de suas circunscrições ou àquelas domiciliadas na sua territorialidade.
- 5º São vedadas a exploração multijurisdicional de serviço de loteria estadual e distrital e a comercialização das modalidades lotéricas, não permitidos associação, participação, convênio, compartilhamento, representação, contratação, subcontratação ou qualquer avença, onerosa ou não onerosa, diretamente entre Estados ou entre estes e o Distrito Federal, ou por meio de pessoa física ou jurídica interposta, com o objetivo de explorar loterias, inclusive estrangeiras, em canal físico,
eletrônico ou digital, ou de executar processos de suporte a esse negócio.
- 6º Considera-se multijurisdicional para os fins do § 5º deste artigo a exploração de loteria que abranja o território e a população fisicamente localizada nos limites da circunscrição de mais de 1 (um) ente federativo.
- 7º Os Estados e o Distrito Federal deverão prestar contas dos recursos aplicados, respectivamente, aos tribunais de contas estaduais e ao Tribunal de Contas do Distrito Federal.
- 8º São preservadas e confirmadas em seus próprios termos todas as concessões, permissões, autorizações ou explorações diretas promovidas pelos Estados e pelo Distrito Federal a partir de procedimentos autorizativos iniciados antes da publicação da Medida Provisória nº 1.182, de 24 de julho de 2023, assim entendidos aqueles cujo primeiro edital ou chamamento público correspondente tenha sido publicado em data anterior à edição da referida Medida Provisória, independentemente da data da efetiva conclusão ou expedição da concessão, permissão ou autorização, respeitados o direito adquirido e os atos jurídicos perfeitos.”
A União também fez a ressalva de que o parágrafo oitavo acima transcrito, não seria aplicável ao caso, pois, em suas palavras, “ainda que o Edital de Credenciamento nº 001/2023 tenha sido publicado antes da edição da MP nº 1.182/2023, a “retificação” do edital, que flexibilizou os parâmetros para aplicação e para a fiscalização da limitação territorial da atividade de loterias, ocorreu posteriormente à MP nº 1.182/2023, não incidindo o citado do § 8º do art. 35-A no edital retificador”. Mais especificamente, o Edital de Credenciamento nº 01/2023 foi publicado em 25/04/2023 e retificado em 26/07/2023.
Em sua análise, o ministro Mendonça destacou que as atividades lotéricas têm natureza de serviço público e, como tal, estão sujeitas ao princípio da delimitação territorial e à competência privativa da União para serviços de caráter nacional. Segundo o ministro: “Como ente político central, à União compete a exploração de serviços públicos com caráter ou extensão nacional — e até internacional. Por sua vez, os estados competem a exploração de serviços públicos com abrangência ou interesse estadual.”
Além disso, o ministro enfatizou que os estados, embora tenham competência para explorar loterias dentro de seus territórios, devem respeitar a regulamentação estabelecida pela União no exercício de suas competências privativas.
Aderindo aos argumentos trazidos pela União, o Estado do Paraná e a LOTTOPAR, na qualidade de amicus curiae, também consignaram que os entes estatais demandados estariam explorando o serviço público fora dos limites de sua competência material, em detrimento da competência da União e em desigualdade com os demais Estados da federação.
Em conclusão, o ministro Mendonça assentou que:
“81. Na espécie, todavia, a publicação da retificação do Edital de Credenciamento nº 01/2023 ocorreu um dia após a publicação da Medida Provisória nº 1.182/2023, ou seja, 25/07/2023, quando já vigoravam as novas regras estipuladas por essa Medida Provisória, depois convertida na Lei nº 14.790, de 2023, a qual, repito, introduziu o art. 35-A da Lei nº 13.756, de 2018.
- Com esses fundamentos, entendo que, ao dispensar a adoção de sistema de geolocalização de apostas online, o Edital de Credenciamento retificado vulnerou o art. 35-A da Lei nº 13.756, de 2018, com a redação dada pela Lei nº 14.790, de 2023. Isso porque permitiu a exploração de jogos eletrônicos fora dos limites territoriais do Estado do Rio de janeiro, em flagrante invasão das competências materiais já reconhecidas por esta Corte em favor da União para a exploração deste serviço público. Assim, resta demonstrada a plausibilidade do direito alegado pela União, sendo igualmente premente a necessidade de preservação de suas competências.”
Impactos e Determinações da Decisão
Com base nesse entendimento, o ministro André Mendonça determinou que a Loterj e o estado do Rio de Janeiro estabeleçam, em até cinco dias, os mecanismos de geolocalização para restringir as apostas no território estadual. Além disso, foi ordenado que o governo do Rio se abstenha de adotar quaisquer medidas que permitam a prestação de serviços fora de seus limites territoriais.
Essa decisão reforça a importância de uma regulamentação estrita e harmônica no setor lotérico, garantindo que as atividades desenvolvidas pelos estados não violem a disciplina normativa da União.
Em síntese, a recente decisão do STF sobre a exploração de loterias e apostas eletrônicas reafirma a competência exclusiva da União para reguladores de serviços com abrangência nacional, impactando diretamente a atuação de loterias estaduais como a Loterj. Essa decisão destaca a importância de compreender as implicações legais e as questões relativas à competência entre os entes federativos, especialmente em um setor que continua a ganhar relevância no Brasil.
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A decisão em questão tem grande importância para o setor de loterias de apostas no Brasil, pois estabelece uma clara delimitação das competências estaduais e federais, contribuindo para um ambiente jurídico mais estável, responsável e seguro. Isso evita conflitos de competência e fortalece a segurança jurídica.
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